2ª Seção declarou que é do juízo falimentar a competência para dispor sobre os bens de uma companhia falida.
A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou que é do juízo falimentar a competência para dispor sobre os bens de uma empresa falida. O entendimento foi adotado no caso envolvendo o empresário Glaidson Acácio dos Santos, conhecido como “Faraó dos Bitcoins”.
Os ministros determinaram ontem o envio dos ativos apreendidos em ações penais contra companhias do empresário para a massa falida de uma delas, a G.A.S. Consultora & Tecnologia. A falência estava suspensa desde outubro do ano passado, aguardando a decisão do STJ.
Segundo advogados, agora o processo falimentar vai começar a andar e haverá transparência sobre os bens constritos pela Justiça Federal, onde os processos criminais correm em sigilo e não há sentença condenatória.
São cerca de 120 mil credores habilitados, a maioria pessoas físicas de baixa renda ou classe média, esperando receber valores investidos que foram desviados. Até então, não havia sido encontrado “nem um alfinete” no processo de falência, de acordo com fontes próximas ao caso. A estimativa é de uma dívida total de R$ 9 bilhões. Não se sabe, porém, quantos bens foram apreendidos.
Preso em 2021, em decorrência da Operação Kriptos da Polícia Federal (PF), o “Faraó dos Bitcoins” é acusado de liderar organização criminosa responsável por um milionário esquema de pirâmide financeira iniciado em Cabo Frio, no Rio de Janeiro. A investigação policial aponta que o grupo do empresário teria movimentado pelo menos R$ 38 bilhões no esquema ilegal de investimentos em criptomoedas.
É o segundo conflito de competência sobre a matéria julgado pelo STJ. O primeiro ocorreu em 2009, na falência do Banco Santos. Na ocasião, também se determinou o envio dos bens dos sócios investigados na seara criminal, como os do empresário Edemar Cid Ferreira, para a massa falida. Os primeiros recursos chegaram na ação falimentar cerca de sete anos depois (CC 76861).
O precedente foi citado pela ministra Nancy Andrighi, relatora do caso da G.A.S, no julgamento de ontem. Ela levou em conta o princípio do juízo universal falimentar, que deve concentrar todas as decisões que envolvam o patrimônio da falida. Essa previsão está no artigo 76 da Lei 11.101/2005. “Após a quebra, revela-se descabido o prosseguimento de atos de expropriação contra a falida em outros juízos”, disse a ministra Nancy, acompanhada por unanimidade (CC 200512).
O conflito de competência foi suscitado pela massa falida. O processo falimentar tramita na 5ª Vara Empresarial o Rio de Janeiro e as ações criminais, na 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, que se negou a remeter os bens apreendidos. O argumento foi de que era preciso deixar os ativos para a União, por conta do princípio do perdimento, previsto no artigo 91 do Código Penal, que determina a transferência forçada de bens para o Estado em condenações penais.
Em seu voto, porém, a ministra afirmou que o processo penal deve se limitar à aplicação da pena e que não é prioridade arrecadar bens, pois essa função cabe ao juízo falimentar. E que a própria União poderia se habilitar nos autos da falência para receber possíveis verbas do confisco penal, “desde que realizado o pagamento dos credores, inclusive os quirografários”.
Nos autos, os valores que os credores teriam a receber advêm de “saldos de contas bancárias, saldos de contas em corretoras de criptomoedas, bens pessoais dos sócios, wallets (carteiras), cold wallets (carteira fria ou carteira offline), dinheiro em espécie, bens móveis e imóveis”.
Para o advogado Luciano Bandeira, sócio do Bandeira, Santoro & Garcia e presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), que atuou pela massa falida no STJ, a decisão reforça a prevalência do juízo falimentar. “É uma resposta do Estado dizendo que o processo de falência tem uma finalidade social de pagar aqueles que foram lesados”, diz.
Na visão dele, o STJ fez por bem aplicar o precedente do Banco Santos. “Foi exatamente a mesma hipótese e os casos são quase idênticos”, afirma. Também atuou pela falida Pedro Palheiro, do Palheiro & Costa.
Fabrício Dazzi, sócio do Dazzi Advogados Associados, que atua para um dos credores, diz que um dos primeiros conflitos de competência julgados em falências e recuperações judiciais envolvia a Varig, em que se discutia a prevalência entre as esferas trabalhista e empresarial. “Em um eventual conflito de competência, todas as decisões devem ser processadas no juízo falimentar”, afirma ele, que fez o pedido de falência da G.A.S., que foi decretada em fevereiro de 2023.
Dazzi diz que não há informação sobre quantos ativos estão nas mãos da Justiça criminal. “Eles não cumpriram os ofícios da vara falimentar e não remeteram os valores para o processo. Então, não temos essa informação ainda. Tudo está muito obscuro e escondido”, afirma. “Essa decisão no conflito de competência é o único caminho para termos essa transparência”. Dazzi representa o advogado Jansens Kalil Siqueira, que investiu R$ 1,2 milhão na empresa do “Faraó dos Bitcoins”.
Procurado pelo Valor, um dos administradores judiciais do caso, Bruno Rezende, da Preserva-Ação, não deu retorno até o fechamento da edição.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — DE SÃO PAULO