A aprovação do regulamento do comitê gestor do IBS pela Câmara dos Deputados gera controvérsias, evidenciando inconstitucionalidades e problemas de vinculação de impostos.
Na sessão do dia 13 de agosto de 2024 a Câmara dos Deputados aprovou o regulamento do comitê gestor do IBS, com centenas de emendas seguindo o projeto legislativo para o Senado Federal para a sua apreciação.
O comitê gestor é formado por 54 membros, sendo 27 representantes indicados pelos governadores de estado e do Distrito Federal, e 27 outros membros indicados pelos Prefeitos o que, por si só, revela não se tratar de um órgão paritário como vem sendo chamado.
O regulamento não esclarece como serão escolhidos os 27 representantes dentre os 5.172 municípios que compõem a federação brasileira.
É prevista uma reunião trimestral dos membros do comitê gestor, sem prejuízo das reuniões extraordinárias sempre que necessárias.
A regulamentação nada dispõe quanto à remuneração desses representantes, mas é comum a percepção de jetons nas reuniões de qualquer colegiado. Já é uma tradição arraigada na cultura da sociedade brasileira.
São seguintes os órgãos do comitê gestor:
a)Presidência
b)Secretaria Geral
c)Corregedoria Geral
d) Nove diretorias regionais, sendo que 30% dos cargos e funções deverão ser ocupados por mulheres.
Prestigiou-se a igualdade de gênero, porém, nada dispõe sobre a igualdade racial muito em voga nos tempos atuais.
O comitê gestor tem o poder normativo para implementação desse órgão e poder interpretativo das normas que ele próprio elabora.
Julga em última instância os processos administrativos oriundos de autos de infração lavrados pelos Estados e municípios, que continuam com o poder fiscalizatório, contudo, sem o poder de arrecadar o imposto.
A arrecadação e distribuição do IBS fica a cargo do comitê gestor.
O IBS é o único imposto no mundo em que várias entidades participam das diversas etapas de criação, fiscalização e arrecadação.
A união cria o IBS por lei complementar, mas não pode definir seus contribuintes, sua base de cálculo e o fato gerador, nem fixar as alíquotas do IBS dual e promover a sua arrecadação.
Estados e municípios fiscalizam o IBS e fixam as suas alíquotas, mas não podem arrecadar. O comitê gestor arrecada e distribui e julga o processo administrativo tributário em última instância.
Há uma sucessão de revezamento entre as entidades políticas e o comitê gestor, um órgão federal com autonomia administrativa e financeira. Tudo indica que os formuladores da reforma tributária inspiraram-se no revezamento da tocha olímpica.
O comitê gestor é um órgão polivalente que usurpa as funções típicas do Estado, sem ser um poder do Estado. A sua inconstitucionalidade é manifesta.
Pela prestação dos serviços acima enumerados, o comitê gestor cobra 60% da arrecadação do IBS de 2026, e 50% da sua arrecadação de 2027/2028, o que é inusitado.
Os serviços gerais do Estado, dentre os quais o de fiscalizar, arrecadar e de julgar os processos administrativos tributários são custeados pela arrecadação de impostos em geral. Não há e nem pode haver um imposto específico para custear, no todo ou em parte, as despesas de arrecadação do imposto. Por isso, em outra oportunidade escrevemos um artigo intitulado “IBS, um imposto para sustentar a oligarquia”. A oligarquia é composta por membros de poder e seus aliados, os burocratas que nada produzem de positivo.
Essa destinação direta da parcela do IBS ao comitê gestor viola frontalmente o art. 167, inciso IV da CF, que veda a vinculação do produto de arrecadação de imposto a órgão, fundo ou despesa.
Dir-se-á que essa destinação figura na emenda constitucional 132/23 que aprovou a reforma tributária parcial.
É verdade, só que aquele dispositivo que vincula o produto da arrecadação do IBS ao comitê gestor é mera norma constitucional, que não pode ser interpretada contra o princípio constitucional de Direito Financeiro, que veda essa vinculação. Princípio constitucional situa-se hierarquicamente em patamar superior à norma constitucional.
Aí reside outra inconstitucionalidade do IBS, não bastasse a quebra do princípio federativo, protegido em nível de cláusula pétrea, ao suprimir o ICMS e o ISS que são impostos privativos dos Estados e dos municípios, respectivamente.
A proposta de regulamentação aprovada pela Câmara não parou por aí. Incursionou na área do ITCMD e do ITBI.
Previu a tributação pelo ITCMD do VGBL e do PGBL que se caracterizam como um seguro de natureza pessoal. E na forma do art. 794 do CC, seguro não é herança. Com o falecimento do titular da aplicação financeira, o beneficiário indicado pode sacar os recursos aplicados diretamente junto ao banco depositário, sem necessidade da abertura do inventário.
A outra incursionada equivocada foi em relação à tributação pelo ITBI, antes do registro do título da transferência da propriedade imobiliária perante o Registro de Imóveis competente, quando ocorre a transmissão da propriedade imobiliária na forma do art. 1.245 do CC.
Os inteligentes deputados argumentaram que os compromissários compradores não se interessam em obter a escritura definitiva de compra e venda e levá-la ao registro imobiliário para deixar de pagar o ITBI.
A solução inventada por esses espertos legisladores foi a de cobrar o ITBI antecipadamente sem o prévio registro do título aquisitivo.
Em face da divergência de entendimento entre os parlamentares, tendo em vista a posição contrária da jurisprudência do STJ que exige o título registrado, adotou-se uma solução intermediária, qual seja, com o registro do compromisso de compra e venda facultar-se-ia ao compromissário comprador o pagamento antecipado do ITBI, com desconto, conforme dispuser a legislação do Município local.
Ora, o ITBI não é um imposto que incide apenas sobre a transmissão da propriedade imobiliária, incide, também, sobre a transmissão de direitos reais sobre os imóveis e a sua cessão (art. 156, II da CF).
Logo, o compromisso registrado convola a obrigação de direito pessoal em um direito real sobre imóveis, ocorrendo, ipso facto, o fato gerador da obrigação tributária, fazendo incidir o ITBI.
A cessão do compromisso registrado implica ocorrência de novo fato gerador a resultar na nova incidência do ITBI.
Assim sendo, não cabe falar em antecipação, muito menos em desconto do ITBI.
Ao adentrarem em matéria que sabidamente não dominam, os legisladores da Câmara Baixa incorreram em heresias jurídicas como nunca dantes visto.
A cada mexida a reforma tributária aprovada pela EC 132/23 fica mais prolixa e confusa, aprofundando as inconstitucionalidades existentes.
FONTE: MIGALHAS – POR KIYOSHI HARADA