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SEGURADORA VENCE NO CARF DISPUTA SOBRE PIS E COFINS

9 de setembro de 2024

Conselheiros entenderam que rendimentos com reserva técnica não devem entrar na base de cálculo das contribuições.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) excluiu da base de cálculo do PIS e da Cofins da Brasilveículos Companhia de Seguros, pertencente à Mapfre Brasil, os rendimentos obtidos com reserva técnica – ativos exigidos para garantir o pagamento de indenizações a clientes. A decisão, da 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento, anulou uma cobrança de cerca de R$ 20 milhões.

O acórdão é relevante por haver poucas decisões favoráveis aos contribuintes no tribunal administrativo. Na Justiça, há divergência, motivo pelo qual o tema foi afetado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para julgamento em repercussão geral (RE 1479774 ou Tema 1309).

A decisão também ganha importância por afastar a incidência dos tributos sobre gastos com a contratação de terceiros para a assistência 24 horas. É a primeira vez que o Carf se manifesta sobre a questão a favor das empresas, segundo advogados. Os contribuintes e a Receita Federal discordam sobre a tributação em razão das diferentes interpretações sobre o conceito de faturamento. Para as empresas, por mais que os investimentos em reserva técnica sejam uma imposição legal – advinda da Lei nº 8212/1991 -, as receitas obtidas não decorrem da atividade típica empresarial, portanto, não seriam tributáveis.

Já a Receita Federal entende que esses rendimentos integram o conjunto de operações desenvolvidas pelas seguradoras. Portanto, fazem parte do objeto social e constituem receita bruta. No caso analisado pelo Carf, o órgão multou a empresa por suposta omissão de R$ 90 milhões em receitas financeiras obrigatórias e R$ 86,6 milhões referentes a pagamentos a terceiros pela assistência 24 horas a sinistros na base de cálculo dos dois tributos.

Prevaleceram os argumentos do contribuinte. Para o relator, conselheiro José Renato Pereira de Deus, a previsão legal não transforma os rendimentos obtidos com as aplicações compulsórias em atividade empresarial típica. “O fato de as receitas financeiras estarem relacionadas a investimentos previstos em lei como obrigatórios, não faz com que sejam considerados como receitas típicas das seguradoras”, diz ele, no voto (processo nº 16327.720020/2019-76).

Ele cita a definição de faturamento do STF, compreendida como “a totalidade das receitas auferidas com a venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços, ou seja, é a soma das receitas oriundas do exercício das atividades operacionais”. Também lembra de três precedentes no Carf (acórdãos nº 3302-001.873, nº 3302-002.841 e nº 3401-002.708).

Sobre a assistência 24h, a seguradora defendeu que também não integra atividade típica, pois compõe uma “cesta de produtos oferecidos aos segurados”, como “uma espécie de benefício”. A fiscalização, porém, entende que esse serviço – como guincho e transporte – é “mero diferencial comercial que aparece com papel complementar no contrato de seguros”, e deveria ser enquadrado como “liberalidade comercial oferecida pela seguradora, não sendo necessária, tampouco obrigatória”.

Para o relator, a dedução é permitida pela legislação tributária, com respaldo nas normas da Superintendência de Seguros Privados (Susep). “A definição de ‘sinistro’, utilizada para essa dedução, está firmemente ancorada em normas de direito privado e é reconhecida tanto pela legislação quanto pela regulamentação específica da Susep”, afirma. A turma foi unânime sobre esse segundo ponto. A respeito da reserva técnica, ficou vencido só o conselheiro Lázaro Antônio Souza Soares.

Advogados de contribuintes entendem da mesma forma. O tributarista Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados, que atua pela Brasilveículos no caso, diz que a Lei nº 9.718/1998, que trata da base de incidência do PIS/Cofins, prevê a dedução da assistência 24 horas, no artigo 3º parágrafo 6º inciso II. “Não se trata de tese dos contribuintes, mas um direito assegurado pela lei”, diz.

Para Cabral, a decisão do Carf se aplica inclusive para os casos posteriores à edição da Lei nº 12.973/2014, que, segundo ele, tentou ampliar a base de cálculo dos dois tributos federais. “As novas hipóteses da norma não abrangem receitas de reservas técnicas, então não justifica a incidência e não muda o resultado da decisão.”

Como argumento favorável, tributaristas lembram do voto do ministro Dias Toffoli, do STF, ao julgar um caso da Axa Seguros. Essa ação, que não estava em repercussão geral, permitiu a incidência de PIS/Cofins sobre prêmios de seguros. Porém, nos embargos de declaração, Toffoli afirmou que a cobrança não deveria se estender aos ativos garantidores, citando parecer do ministro aposentado Cezar Peluzo. O impacto desse caso era de R$ 26,9 bilhões, segundo estimativa na Lei de Diretrizes Orçamentárias (RE 400479).

O tributarista Maurício Faro, sócio do BMA Advogados, lembra ainda que um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) chegou a reconhecer que essas receitas não eram operacionais, mas depois a Receita publicou uma solução de consulta dizendo o contrário. Para ele, não é possível a inclusão. “Não é receita operacional, porque é o cumprimento de uma obrigação regulatória. A empresa não tem autonomia para gerir esse dinheiro e precisa cumprir regras específicas”, diz.

Segundo Faro, a jurisprudência na Câmara Superior do Carf é desfavorável “há bastante tempo” e o cenário também não é positivo no Tribunais Regionais Federais (TRFs). Ele tem duas decisões definitivas favoráveis sobre o assunto, de segunda instância. Na Câmara Superior do Carf, menciona caso recente que esteve em julgamento, mas foi suspenso por um pedido de vista do novo presidente, com placar em 4 a 3 para a União (processo nº 16682.722324/2017-67).

Advogados defendem ainda que a tese das seguradoras difere da que foi julgada em junho do ano passado de forma desfavorável para as instituições financeiras, no STF (Tema 372). Nesse caso, por maioria, os ministros entenderam que as receitas financeiras integram a atividade típica dos bancos, portanto, devem compor a base dos tributos.

Para as seguradoras, contudo, não poderia ser aplicada a mesma lógica. “Existe uma peculiaridade na prestação do serviço e na obrigação legal de ter esse ativo garantidor”, diz Priscila Regina de Souza, sócia do Loeser e Hadad Advogados, acrescentando que “a decisão do Carf é muito coerente e está bastante alinhada com o conceito de receita bruta e faturamento”. “Qualquer decisão diversa é não respeitar a própria legislação.”

Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição. A Mapfre informou, em nota, que “não comenta decisões judiciais”.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — DE SÃO PAULO

 

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