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PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE E MULTAS ADUANEIRAS

10 de junho de 2024

A sinalização advinda do Judiciário acerca da aplicação da prescrição intercorrente administrativa é positiva e pode surgir como uma importante alternativa aos contribuintes que estejam discutindo o cabimento de multas aduaneiras.

A Lei nº 9.873/1999 prevê em seu artigo 1º, parágrafo 1º, que “incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada”. Trata-se da chamada prescrição administrativa trienal.

Mais adiante, o artigo 5º do mesmo diploma legal estabelece que “o disposto nesta lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária.”

O fato é que, ao longo dos anos, a vedação acima apontada vem sendo aplicada, genérica e indiscriminadamente pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) não apenas nos casos que tratem dos tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB), como também nos processos administrativos que decorram do exercício do poder de polícia exercido pela RFB, inerente ao controle e à fiscalização do comércio exterior, muitas vezes tendo como base a Súmula Carf nº 11, que estabelece que “não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”.

No entanto, a jurisprudência judicial tem reconhecido que a referida prescrição deve alcançar os processos administrativos em que se discute a imposição de multa por infração à legislação aduaneira, em especial quando não possuam relação direta com a ausência ou com a insuficiência no recolhimento de tributos. É o que se verifica em recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já vêm sendo observadas pelos demais Tribunais Regionais Federais.

E, certamente, o entendimento não poderia ser outro.

Como se sabe, o Direito Aduaneiro é um ramo do direito público que consubstancia um conjunto de normas que, em última análise, foram editadas para regular e controlar as operações de comércio exterior.

Apesar de ser possível admitir que existam pontos de interseção do direito material com outros ramos do Direito, deve ser compreendida a natureza do crédito exigido pela RFB, se tributário ou não tributário. E, para isso, oportuno destacar algumas de suas distinções. A primeira delas refere-se ao arcabouço normativo.

As multas aduaneiras, em regra, são exigidas em decorrência de ação/omissão, voluntária/involuntária, que importe inobservância de norma estabelecida ou disciplinada no Regulamento Aduaneiro ou em ato normativo destinado a completá-lo.

Noutro giro, para os créditos decorrentes do descumprimento de obrigações tributárias, devem ser aplicadas as regras previstas na Lei nº 5.172/1966 (Código Tributário Nacional – CTN).

Nesse ponto, por si só, é de se notar que são distintos os fundamentos validade e seara de aplicação.

Outrossim, não se pode ignorar a realidade de que, em regra, as infrações nessa seara possuem diferentes vertentes, podendo decorrer (i) da inobservância de deveres administrativos ligados, exclusivamente, ao controle aduaneiro; (ii) da arrecadação/fiscalização de tributos incidentes nas operações de comércio exterior; ou (iii) relacionados tanto ao controle aduaneiro quanto à arrecadação/fiscalização de tributos incidentes nas operações de comércio exterior.

Pode-se dizer que as infrações enquadráveis no item i acima consubstanciam, essencialmente, o crédito de natureza não tributária. Seriam a parte da área aduaneira que não intersecciona a tributária, estando, portanto, sujeito à prescrição administrativa trienal.

Por sua vez, no item ii, a situação se inverte, sendo de fácil percepção a natureza tributária do crédito, atraindo a aplicação do regramento previsto no CTN.

O item iii, por fim, assumiria um caráter “híbrido”, o que, naturalmente, eleva a complexidade da determinação de sua natureza e regime aplicáveis.

Ocorre que, muito embora as infrações enquadráveis no item i, reconhecidamente, estejam sujeitas ao rito do Decreto nº 70.235/1972, tal condição não afeta a sua natureza não tributária, vez que as normas referentes ao procedimento não se confundem – quanto mais diante da ausência de remissão ao CTN – ao direito material em discussão.

Com efeito, o fato de a sanção aduaneira ser exigida por meio de auto de infração, ser julgada pelo Carf e ser passível de inscrição em dívida ativa, por si só, não seria suficiente para alterar a natureza de crédito não tributário das infrações enquadráveis no item i.

Outra importante distinção é que a prescrição e a decadência são institutos de direito material que, na seara tributária, são reguladas pelo CTN, ao passo que os créditos não tributários, como visto, observariam o disposto na Lei nº 9.873/1999.

Logo, parece razoável afirmar que os processos administrativos que tratem de crédito de natureza não tributária, à exemplo das multas aduaneiras, poderão observar não apenas o disposto no Decreto nº 70.235/1972, como também o previsto na Lei nº 9.873/1999, por não se enquadrarem na vedação direcionada aos processos e procedimentos de natureza tributária.

Além disso, deve haver o inafastável distinguishing entre a Súmula Carf nº 11 e os casos que se enquadram no item i acima, de modo a viabilizar a aplicação da prescrição administrativa trienal.

De todo modo, a sinalização advinda do Judiciário acerca da aplicação da prescrição intercorrente administrativa é positiva e pode surgir como uma importante alternativa aos contribuintes que estejam discutindo, durante anos, o cabimento de determinadas multas aduaneiras.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR THALLES NIEMEYER E DANIEL TESSARI

 

 

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