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ULTRAPROCESSADOS COM TRIBUTAÇÃO MAIS FAVORECIDA DE IBS E CBS

30 de abril de 2024

É urgente que olhemos para essas questões no debate legislativo que agora se inicia.

A promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, que realizou a reforma tributária do consumo e previu a criação da Cesta Básica Nacional de Alimentos, foi vista como uma sinalização institucional quanto à valorização da alimentação adequada e saudável. Isso porque os alimentos componentes desse conjunto seriam tributados à alíquota zero, com vistas a garantir alimentação “nutricionalmente adequada, em observância ao direito social à alimentação previsto no art. 6º da Constituição Federal”, nos termos do artigo 8º da EC.

No mesmo sentido, e à luz da seletividade aplicada também ao novo modelo de tributação do consumo, o artigo 9º da EC previu as hipóteses nas quais as alíquotas do IBS e da CBS seriam reduzidas em 60%. No rol de bens favorecidos, há os “alimentos destinados ao consumo humano” (inciso VIII). A categoria, como mencionei em outra oportunidade nesta coluna, é demasiada ampla e poderia comportar produtos que se qualificam como alimentos, mas se distanciam do ideal de “alimentação saudável e nutricionalmente adequada” valorizado pela EC.

Importante recordar que os bens e serviços favorecidos com a redução de alíquotas não poderão ser tributados pelo imposto seletivo – o que reforça a ideia de que seria paradoxal que produtos causadores de mal à saúde e ao meio ambiente fossem beneficiados com a redução de alíquotas.

O projeto de regulamentação da reforma tributária apresentado na última quintafeira pelo ministro Fernando Haddad enumera os bens que compõem a Cesta Básica Nacional de Alimentos (Anexo I), os alimentos destinados ao consumo humano que serão tributados com redução em 60% da alíquota do IBS e da CBS (Anexo VIII), além de, dentre outros pontos, disciplinar o imposto seletivo e estabelecer redução de 100% do IBS e da CBS para produtos hortícolas, frutas e ovos (Anexo XVI).

Um olhar concentrado na Cesta Básica Nacional de Alimentos e nos produtos com redução de 100% de alíquota revela adequação dos bens contidos nos anexos, que, de fato, têm por foco a alimentação adequada e saudável e a consequente realização desse direito fundamental. O mesmo, no entanto, não é possível afirmar a partir da avaliação conjunta do imposto seletivo e dos alimentos destinados ao consumo humano que foram beneficiados com a redução de alíquotas.

Nos termos do artigo 393, parágrafo 1º, inciso V do PL 68/2024, o imposto seletivo incidirá sobre bebidas açucaradas classificadas no código NCM 2202.10.00 (Anexo XVIII); classificação fiscal que inclui refrigerantes, energéticos e outros. A tributação majorada é adequada, reflete a política tributária recomendada pela OMS, Organização Mundial da Saúde, e é adotada por dezenas de países, que acumulam evidências científicas quanto à redução do consumo de tais bens pela população.

Ainda assim, conjugando-se a limitação do imposto seletivo às bebidas açucaradas, no que se refere aos danos à saúde em razão da má alimentação, com a lista de alimentos beneficiados com a redução de alíquota de 60% do IBS e da CBS, temos a prevalência de benefícios fiscais sobre produtos nocivos à saúde, sobre os quais não deveria haver qualquer incentivo tributário.

Exemplares dessa afirmação são os itens 4 e 11 do Anexo VIII, que preveem a redução de alíquotas para “leites fermentados, bebidas e compostos lácteos” e “massas alimentícias dos códigos 1902.20.00 e 1902.30.00 da NCM/SH”, respectivamente.

No item 4, o fato de não haver a indicação do NCM dá margem para interpretação que contemplaria a inclusão de qualquer outra bebida não tributada pelo imposto seletivo (como as açucaradas do NCM 2202.10.00 e as alcóolicas especificadas no Anexo XVIII) como passível de obter o benefício tributário. A interpretação poderia levar, então, à redução de tributação de produtos ultraprocessados, notoriamente nocivos à saúde.

Sobre os compostos lácteos, segundo o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras menores de dois anos, publicado pelo Ministério da Saúde, tais bens “não devem ser confundidos com fórmulas infantis nem com leite de vaca integral […] são produzidos com uma mistura de leite (no mínimo 51%) e outros ingredientes lácteos ou não lácteos e costumam conter açúcar e aditivos alimentares”. De acordo com o Guia, são alimentos ultraprocessados, que não devem ser oferecidos a crianças e devem ser evitados por adultos.

No item 11, a inadequação dos bens previstos é ainda mais evidente: as massas alimentícias previstas nos NCMs 1902.20.00 e 1902.30.00 contemplam, por exemplo, lasanha congelada e macarrão instantâneo – duas outras categorias de alimentos ultraprocessados que, comprovadamente, causam males à saúde.

Diante disso, é urgente que olhemos para essas questões no debate legislativo que agora se inicia. É compreensível a escolha do governo de iniciar a tributação seletiva de alimentos em uma categoria em torno da qual há muitos estudos e evidências quanto à efetividade da maior tributação. Isso não pode significar, contudo, favorecimento tributário para alimentos ultraprocessados que, igualmente, são nocivos à saúde. A lista dos alimentos destinados ao consumo humano beneficiados com alíquotas reduzidas de IBS e CBS deve ser guiada pelos vetores da essencialidade e da promoção à alimentação saudável e nutricionalmente adequada.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR TATHIANE PISCITELLI — SÃO PAULO

 

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