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O NOVO CONTENCIOSO DA CBS E DO IBS

19 de abril de 2024

Aguarda-se a proposta a ser apresentada pelo governo federal para que de todas elas seja possível extrair as melhores sugestões.

A proposta originária de reforma da tributação sobre o consumo, materializada na PEC nº 45/2019, propunha um único tributo da espécie IVA (IBS) em substituição a outros cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS), com fixação de alíquota uniforme a todos os bens, direitos e serviços. Nesses pontos em particular, o texto final aprovado pelo Congresso Nacional que resultou na Emenda Constitucional (EC) nº 132/23 acabou por aprovar uma espécie de IVA Dual, sendo a CBS em substituição aos tributos federais (IPI, PIS e Cofins) e o IBS em substituição aos tributos estadual e municipal (ICMS e ISS). A CBS e o IBS são tributos idênticos, mas de distintas competências.

Essa divisão resultou em uma série de dificuldades na estruturação das leis complementares que regularão o novo modelo, inclusive no que diz respeito ao processo administrativo tributário que envolverá a CBS (federal) e o IBS (estadual e municipal).

Para iniciar, relembro que os processos administrativos fiscais que discutem os tributos federais PIS, Cofins e IPI tramitam de acordo com o Decreto nº 70.235/72, envolvendo órgãos de julgamento ligados ao Ministério da Fazenda (DRJ e Carf). Os processos administrativos que discutem o ICMS tramitam perante órgãos de julgamento estaduais (como o Tribunal de Impostos e Taxas em São Paulo ou o Conselho de Contribuintes do Rio de Janeiro). Os processos administrativos municipais que discutem o ISS tramitam perante Conselhos ou Juntas de Tributos Municipais.

A lei complementar deve definir os órgãos e as competências para julgamento da CBS e/ou do IBS, levando-se em conta que são tributos idênticos.

A EC 132/23 estabeleceu, no artigo 156-B, III, que os Estados, o Distrito Federal e os municípios exercerão de forma integrada, exclusivamente por meio do Comitê Gestor do IBS, nos termos e limites estabelecidos nesta Constituição e em lei complementar, competência para decidir o contencioso administrativo em relação ao IBS.

O artigo 156-B, parágrafo 8º, da EC 132/23, prevê que a lei complementar “poderá” prever a integração do contencioso administrativo relativo aos tributos previstos nos artigos 156-A (IBS) e 195, V (CBS).

De plano, verifica-se que a EC 132/23 afastou a possibilidade de utilização dos órgãos Administrativos já existentes em relação ao IBS, eis que isto representaria uma fragmentação dos julgamentos em incontáveis órgãos administrativos de julgamento pelo país, com decisões contraditórias e incalculável insegurança.

Mesmo com a competência outorgada ao Comitê Gestor para decidir o contencioso administrativo do IBS, remanesceria a possibilidade de potenciais conflitos de entendimento com decisões envolvendo a CBS pelo já existente Carf. Essa possibilidade exigiria a criação de um outro órgão para uniformizar as divergências.  Além do mais, perderíamos a oportunidade de também inovar nos já viciados modelos que regem o processo administrativo fiscal atual, havendo um indesejado choque entre o idealmente novo e moderno órgão de julgamento do Comitê Gestor e o velho Carf.

Foi nessa linha que o projeto de lei nº 37/24 da deputada Adriana Ventura (Novo-SP) caminhou, sugerindo uma Câmara Técnica de Uniformização entre as decisões envolvendo a CBS no âmbito do Carf e as decisões envolvendo o IBS no âmbito do Conselho Tributário do IBS a ser criado no Comitê Gestor. Traz algumas inovações, mas também velhos vícios que não poderiam embarcar nesta nova era de modernidade do nosso sistema (como a vulnerabilidade ideológica dos seus membros).

A possibilidade remanescente conduz à ideia de criação de um órgão novo, que concentraria a competência de decidir, no âmbito administrativo, todos os casos que envolverem a CBS e o IBS em todo o país. É a proposição encampada pelo PLP nº 50/2024, de autoria do deputado Joaquim Passarinho (PL – PA), com esteio em trabalho capitaneado pela Frente Parlamentar do Empreendedorismo com participação e coordenação do grupo “MT – Mulheres no Tributário”. Propõe uniformidade no julgamento envolvendo dois tributos idênticos com os mesmos fatos geradores por um novo órgão de julgamento denominado Conselho Nacional Administrativo Tributário (CNAT).

As vantagens são inúmeras, pois esse modelo comportaria a criação de uma estrutura absolutamente inovadora, aproveitando a experiência positiva dos demais órgãos de julgamento do país (julgadores independentes, seleção com rigoroso processo seletivo, mandato por tempo determinado de 10 anos, avaliação de desempenho, turmas com número ímpar e paridade de gênero na sua composição) e extirpando todos os defeitos que geraram tantos litígios entre Fisco e contribuintes nas últimas décadas (como por exemplo o voto de qualidade, composição, vinculação às administrações tributárias, dentre tantos outros).

O PLP nº 50/2024 contempla estruturas básicas já previstas no Projeto de Lei Complementar nº 124/22, como a mediação e a tentativa de transação pré-contenciosa, além de primeira instância formada por auditores fiscais licenciados dos três níveis federativos, uma segunda instância formada por turmas especializadas por matérias e uma instância encarregada pela uniformização de divergências. O custo para a criação do órgão novo seria compensado no tempo com o progressivo enxugamento dos atuais órgãos de julgamento.

Aguarda-se, por fim, a proposta a ser apresentada pelo governo federal para que de todas elas sejam possíveis extrair as melhores sugestões.

Eduardo Salusse é doutor em Direito, coordenador do Grupo de Trabalho sobre contencioso do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV Direito SP e colaborador do blog Fio da Meada

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR EDUARDO SALUSSE

 

 

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