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SUPREMO E A RESSIGNIFICAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO

6 de fevereiro de 2024

A Justiça do Trabalho precisa evoluir e buscar se adequar às novas formas de trabalho.

No ano de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) se debruçou mais sobre temas trabalhistas, o que gerou um forte embate com a Justiça do Trabalho que, segundo os integrantes do Pretório Excelso, tem decidido em total descompasso com os entendimentos firmados pela Suprema Corte.

A título de exemplo, citemos a decisão do STF sobre o Tema 725 da tabela de repercussão geral, que considerou válida a terceirização, seja da atividade meio ou fim. O assunto, porém, não teve um fim, pois persistem divergências entre a Justiça do Trabalho e o Supremo, tanto que houve um aumento significativo das reclamações constitucionais.

Outro assunto que ganhou destaque foi o julgamento do Tema 1.046 da tabela de repercussão geral, no qual foi reputada como constitucional a prevalência do negociado sobre o legislado. Contudo, em detrimento do entendimento pacificado pela Corte Constitucional, magistrados da Justiça do Trabalho têm criado teses teratológicas para se esquivar de seguir o entendimento já pacificado, culminando, por exemplo, no desrespeito do que fora coletivamente pactuado.

Em outro ponto relevante, o STF chancelou a chamada “pejotização”, quando do julgamento da Reclamação Constitucional nº 57.917, vislumbrando a possibilidade de se pactuar formas alternativas de relações de trabalho, que não aquelas regidas exclusivamente pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). No âmbito dos Tribunais Regionais e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), contudo, é comum decisões que reconhecem o vínculo empregatício entre o trabalhador contratado como pessoa jurídica e a empresa tomadora dos serviços, sob o argumento de fraude nessa contratação.

Nessa mesma linha, atualmente o embate entre o STF e a Justiça do Trabalho está ainda mais fervoroso, pois a Corte Superior, de forma majoritária, tem entendido pelo não reconhecimento de vínculo empregatício entre trabalhadores e empresas de aplicativos, o que tem acarretado uma série de reformas de decisões da Justiça Especializada, que insiste em entender que há relação de emprego entre os aplicativos e os prestadores de serviço.

As decisões da Justiça do Trabalho têm sido questionadas por meio de reclamações constitucionais, as quais, em sua grande maioria, têm sido acatadas pela Corte Constitucional. É evidente, então, que STF virou um “balcão de reclamações” contra a Justiça do Trabalho.

A propósito, não foi à toa que o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) recentemente aprovou a Resolução nº 374/2023, que institui a Política de Consolidação do Sistema de Precedentes Obrigatórios na Justiça do Trabalho, visando mitigar esse cenário de insegurança jurídica.

Afora a discussão quanto ao mérito dos debates travados (pois esse não é o propósito deste escrito), certo é que todo esse cenário institui uma forte insegurança jurídica. Mais que isso, revela uma grande crise de identidade da Justiça do Trabalho, o que impacta fortemente no setor econômico, que fica sem saber como gerenciar suas atividades sem criar um imenso passivo trabalhista.

É imperioso notar que tal cenário de crise foi construído, em grande parte, pela própria Justiça Especializada, que tem como ponto de partida legal a CLT – um código trabalhista de 80 anos de idade – e que insiste em reconhecer como ilícita (ou fraudulenta) toda forma de trabalho que não se encaixa na lei consolidada.

Há uma grande dificuldade de o Judiciário Trabalhista se adaptar à nova realidade, pois demanda uma reinterpretação e possível reconfiguração do objetivo da CLT. Assim, algumas das novas relações de trabalho poderão ser enquadradas na CLT, mas outras exigirão da Justiça do Trabalho uma adaptação às novas circunstâncias, de modo que reconheça e respeite a diversidade das novas formas de organização do trabalho.

Ora, a economia é, hoje, digital, de modo que é imperioso entender que a CLT não é o único instrumento de proteção do trabalho e de implementação do princípio da dignidade da pessoa humana. É inócuo, portanto, tentar frustrar a evolução dos meios de produção.

Vivemos hoje a era da revolução tecnológica, do novo trabalho, com várias formas de relação de trabalho e não apenas aquelas previstas na lei consolidada. Assim, não há mais espaço para a Justiça do Trabalho ficar somente apegada na ideia de que o Estado tem que ser o grande protagonista da proteção social, com um direito individual interventivo e absolutamente insuscetível de negociação pelos atores sociais. A propósito, é extremamente necessário levar em consideração a vontade dos atores sociais.

Em pesquisa recente realizada pelo Instituto Datafolha, cujo relatório foi intitulado de “Futuro do trabalho por aplicativo”, 75% dos motoristas e entregadores de aplicativos optam pela autonomia em detrimento do vínculo empregatício tradicional previsto na CLT. Ou seja, nove em cada dez entrevistados afirmaram preferir o modelo de trabalho por aplicativo, visto que garante maior liberdade para determinar horários e recusar solicitações de viagens e entregas, além de permitir o uso de múltiplos aplicativos.

Fato é que a Justiça do Trabalho precisa evoluir e buscar se adequar às novas formas de trabalho. Seguir relutante quanto a isso só irá aprofundar ainda mais a crise institucional vivida, bem como agravar a insegurança jurídica, o que, por consequência, impactará o cenário econômico do país.

Torçamos para um 2024 mais próspero e uma Justiça do Trabalho menos conservadora.

Marco Antonio Vasconcelos é advogado trabalhista do Fonseca Brasil Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCO ANTONIO VASCONCELOS

 

 

 

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