Sobre a possibilidade de os credores substituírem o administrador judicial, se esse profissional não for da confiança da maioria dos credores.
Os processos judiciais que tratam da crise das empresas possuem grande impacto no desenvolvimento da atividade econômica no país. Quanto menor a duração da falência e maior o percentual de recuperação de créditos, maior o nível de investimento no país.
Esses dois fatores (tempo e recuperação de crédito) determinam a eficiência do processo de falência e contribuem para a preservação dos benefícios econômicos e sociais que decorrem da atividade empresarial.
No Brasil, apesar dos avanços trazidos pela Lei nº 14.112/20 em relação à realocação de ativos, ainda há espaço de aprimoramento, notadamente no que diz respeito ao tempo de duração do processo e ao montante do crédito que será pago aos credores em razão da falência. Por essa razão, o Ministério da Fazenda propôs o Projeto de Lei nº 3/2024, que pretende atingir esses objetivos com a criação da figura do gestor fiduciário e do plano de falência.
O gestor fiduciário será um administrador judicial nomeado pelos credores. O juiz manterá o poder de nomear um administrador judicial no início do processo de falência. Entretanto, a maioria dos credores poderá substituir esse profissional por outro que seja da sua confiança. Ora, se são os credores os maiores interessados em recuperar boa parcela do crédito de fora rápida, é lógico que se dê a eles a possibilidade de substituir o profissional nomeado pelo juiz por outro que seja de confiança do mercado.
O modelo proposto não tem qualquer semelhança com o fracassado procedimento da antiga lei de falências de 1945, no qual o juiz deveria escolher o maior credor como síndico. No modelo superado era o juiz – e não os credores – quem escolhia o síndico. E mais. O síndico não era um profissional de mercado da confiança da maioria dos credores, e sim era o próprio credor. Evidente que esse síndico – e credor ao mesmo tempo – tinha estímulos para trabalhar em seu favor exclusivo e em detrimento dos demais credores. No caso do projeto, a maioria dos credores vai eleger um profissional de mercado para exercer as funções de administrador judicial, o que é muito diferente.
Também não há risco de que os credores menos sofisticados (trabalhistas) sejam prejudicados pela atuação do profissional escolhido pela maioria dos credores, ainda que os credores preponderantes na escolha possam ser bancos e Fisco. Isso porque, bancos e Fisco estão atrás dos credores trabalhistas na ordem de prioridade de recebimento de valores. Assim, esse profissional escolhido pela maioria dos credores deverá ser competente o suficiente para pagar todos os credores trabalhistas primeiro, pois só assim Fisco e bancos terão oportunidade de receber algum valor. E mais. O juiz continuará fiscalizando a atuação do gestor fiduciário e poderá destituílo em caso de descumprimento da lei.
No mais, a possibilidade de os credores substituírem o “administrador judicial” é bem avaliada pela doutrina internacional e representa experiência exitosa em diversos países. O Chile é um exemplo exitoso desse modelo. A Alemanha e o Reino Unido também adotam essa possibilidade. Singapura é outro exemplo. Diversos outros países do sistema common law também autorizam os credores a substituir o administrador judicial nomeado pelo juízo.
Não há perda de poder do magistrado na condução do processo, na medida em que ele continuará com poderes para destituir o gestor fiduciário nomeado pelos credores em caso de ilegalidades ou abusos.
A possibilidade de substituição pelos credores do administrador judicial nomeado pelo juiz certamente irá tornar o processo mais eficiente e célere. Isso porque ninguém discute que um profissional reconhecido e da confiança do mercado terá melhores condições de realizar os ativos e pagar os credores com menores resistências.
Por fim, a lei aprimora o plano de falência, que seria um roteiro apresentado pelo profissional (administrador judicial ou gestor fiduciário) de como pretende realizar os ativos e pagar os credores. Esse plano já foi previsto na reforma de 2020, mas a novidade trazida pelo projeto de lei é que se o plano for aprovado pelos credores e homologado pelo juiz, o profissional (administrador judicial ou gestor fiduciário) terá muitos poderes para cumprir o plano de forma desburocratizada, sem a necessidade de requerer autorizações judiciais prévias, prestando contas ao final.
Isso certamente dará muito mais agilidade ao processo falimentar, fazendo com que a venda de ativos e os pagamentos sejam mais efetivos e mais rápidos. Mas um plano de falência que dê poderes amplos a esse profissional jamais seria aprovado se os credores não tiverem a confiança no referido profissional. Daí a relevância de se dar aos credores a possibilidade de substituir o administrador judicial, caso esse profissional não seja da confiança da maioria dos credores.
É certo que o projeto merece ser objeto de profunda análise crítica e poderá ser aprimorado durante o processo legislativo. Mas também é certo que se trata de uma excelente iniciativa no sentido de aprimorarmos nosso processo falimentar em benefício da economia e da sociedade em geral.
Daniel Carnio Costa é ex-juiz da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo e integrante da Comissão de Juristas que elaborou o PL nº 3/2024 Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR DANIEL CARNIO COSTA