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FASE 2 DA REFORMA TERÁ MUDANÇAS NO JCP E TAXA DE 15% A MÚLTIS

23 de janeiro de 2024

Proposta deve figurar no texto sobre taxação da renda que governo enviará ao Congresso.

A reforma tributária sobre a renda que o governo federal vai enviar ao Congresso Nacional até meados de março deve incluir um imposto mínimo efetivo de 15% sobre o lucro de multinacionais que operam no Brasil e deve propor a revogação ou mudanças no uso dos juros sobre capital próprio (JCP) distribuídos pelas empresas, ideia que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou aprovar em 2023, sem sucesso, apurou o Valor com fontes do governo.

O imposto mínimo global foi negociado por 140 países sob a coordenação da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), com o objetivo de permitir a realocação dos lucros das grandes multinacionais para países do mundo todo. Pelo menos 55 países já adotam a medida, incluindo os das União Europeia. A Receita Federal já vinha trabalhando nas diretrizes para adotar esse tributo no Brasil, mas ainda não tinha estabelecido um prazo. Agora, segundo apurou o Valor, a ideia é propor a tributação dentro do projeto de lei que tratará da

reforma tributária sobre a renda.

O tributo, se aprovado pelo Congresso, funcionará nas bases propostas pela OCDE, ou seja, deverá ser aplicado a qualquer multinacional com receita anual superior a € 750 milhões que tenha sede ou filial instalada no Brasil. A empresa terá de recolher o imposto mínimo global no Brasil caso sua alíquota efetiva de tributos pagos no país fique abaixo de 15%. Em geral, a alíquota dos impostos sobre o lucro no Brasil é de 34%, mas parte das empresas tem benefícios fiscais ou deduções da base de cálculo, por isso a alíquota efetiva paga é bem menor.

O governo ainda mantém em sigilo o número de empresas que podem ser afetadas e o valor esperado de arrecadação. Porém, segundo fontes, haverá um impacto positivo, que ajudará a compensar a renúncia de uma outra medida que será incluída na reforma da renda: a revisão das regras de Tributação em Bases Universais (TBU), que é o mecanismo que estabelece que a tributação dos rendimentos e ganhos de capital de uma filial ou subsidiária deve ser feita no país de domicílio tributário da empresa.

O objetivo é que as regras adotadas no Brasil fiquem mais próximas do padrão da OCDE. Uma fonte explica que o TBU adotado pelo país é único, porque tributa automaticamente o lucro de qualquer filial estrangeira de empresa ou grupo econômico domiciliado no Brasil. A ideia é desobrigar a tributação anual de filiais e subsidiárias que de fato sejam operacionais no exterior e manter a tributação automática em relação às rendas passivas ou de filiais instaladas em paraísos fiscais ou locais subtributados.

A reformulação da aplicação do TBU também já era uma agenda que vinha sendo desenvolvida pela Receita, pois as atuais regras valem somente até o ano-calendário 2024.

Tributar os dividendos dará azo à questão da distribuição disfarçada de lucros” — Eduardo Natal

Fontes também afirmam que mudanças no JCP voltarão a ser propostas pelo governo, agora dentro da reforma da renda. Há duas alternativas na mesa: propor a revogação do JCP ou a restrição do modelo para algo semelhante ao adotado na Europa, chamado de ACE (Allowance for Corporate Equity). A decisão dependerá de qual será a alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). “Estamos avaliando o que preferimos e o que as empresas preferem também. Preferimos ter uma alíquota corporativa mais alta e o JCP reformulado ou uma alíquota nominal mais baixa sem o JCP? Essa é a escolha que precisa ser feita”, explica uma fonte.

O ministro Fernando Haddad propôs no ano passado o fim do JCP ao Congresso, com a expectativa de arrecadar R$ 10,4 bilhões em 2024. A ideia, contudo, não prosperou, e os parlamentares aprovaram apenas algumas restrições para uso do instrumento financeiro, justamente para que o assunto fosse tratado de forma estrutural, em meio à reforma tributária do Imposto de Renda.

Especialistas ouvidos pelo Valor acreditam que o mecanismo pode ser aprimorado para evitar seu uso como instrumento de planejamento tributário, mas sua eliminação poderia ser um equívoco. Isso porque JCP são os juros com os quais as empresas remuneram seus sócios por terem investido capital.

Para advogados tributaristas e economistas, o principal incentivo que o JCP criou é que as companhias tenham mais capital próprio e menos de terceiros para financiar investimentos e operações, o que se transforma em menor endividamento das empresas no país.

Apesar da resistência inicial do Congresso, o governo vai voltar ao tema, porque entende que não tem como falar sobre tributação de lucros e dividendos sem englobar o JCP. “Se você tem uma empresa, o que vai determinar a carga tributária dela? A tributação do lucro, do dividendo e do JCP. O negócio é tripartite. Quando a gente for tratar de lucro e dividendos, claro que o JCP vai entrar na conta também”, explica uma fonte ao Valor.

Em relação aos dividendos, o governo trabalha, no momento, com uma alíquota de referência de 15%, igual à aprovada pela Câmara em 2021, dentro da reforma proposta pelo então ministro da Economia Paulo Guedes, projeto que acabou não prosperando no Senado. Também deve ser proposta uma redução da alíquota corporativa, composta pelo IRPJ e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Porém, fontes destacam que a calibragem das alíquotas ainda não está definida, porque vai depender do resultado das negociações do governo com o Legislativo para a aprovação de projetos que elevam a arrecadação.

Fontes do governo defendem, ainda, que a tributação dos dividendos seja horizontal. Elas avaliam que foi um erro do projeto aprovado pela Câmara em 2021 isentar empresas com faturamento anual até R$ 4,8 milhões.

Para o tributarista Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur, a isenção dos dividendos deveria ser mantida. “Tributar os dividendos dará azo à problemática questão da distribuição disfarçada de lucros, recorrente antes de 1996, e que gerou uma legislação extremamente complexa e um contencioso não menos intrincado”, cita o advogado. Ele também disse que o movimento pode inibir a capitalização das empresas.

Sobre o Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), o Valor apurou que ainda não há decisões tomadas. O reajuste da faixa de isenção da tabela do IR, uma promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com certeza vai existir. Contudo, o valor ainda não está decidido. Lula prometeu isentar quem ganha até R$ 5 mil. Até o momento, não está prevista a criação de novas faixas na tabela do IR nem a majoração de alíquota máxima, hoje de 27,5%.

“A renda do trabalho já é bastante tributada no Brasil quando junta INSS (contribuição à Previdência). Por isso, estamos focando na renda financeira, em dividendos, que hoje é isento. O caminho não é tributar mais o trabalho no Brasil”, explica uma fonte, ressaltando que não há decisão final sobre o tema. Outra fonte reconhece que é um tema “supersensível politicamente” e ressalta que a decisão final passará pelo presidente Lula, além do próprio ministro Haddad.

Conforme mostrou o Valor na semana passada, a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) defende o aumento do número de faixas na tabela do IR da pessoa física, a atualização da faixa de isenção e aumento das alíquotas máximas, porque, segundo os auditores, a atual tabela favorece de maneira desproporcional as famílias de maior renda.

Eles ponderam, contudo, que a simples readequação da tabela do IR poderia ter “efeito perverso”, pois só atingiria os rendimentos classificados como tributáveis, o que poderia aumentar o fenômeno da “pejotização”. Por isso, os auditores defendem que o governo revise a isenção dos dividendos e adeque a alíquota do IRPJ.

Ainda em relação às demais sugestões do relatório prévio do TCU, o governo quer adotar mecanismos que permitam a consolidação das informações financeiras de todas as entidades de um grupo empresarial para a apuração de seus tributos, acabando com a apuração CNPJ por CNPJ. O objetivo é tornar mais eficiente e mais justa a apuração de resultado fiscal. Essa mudança também deve ter um custo fiscal, que deverá ser compensado pelo imposto mínimo global das multinacionais, disse uma fonte.

Para o tributarista Eduardo Natal, a consolidação da apuração fiscal do grupo é um ponto positivo. Segundo o advogado, a consolidação traria maior transparência quanto aos empreendimentos de grupos empresariais, fazendo com que esses grupos atendam um melhor nível de compliance em todas as suas frentes de negócios, possibilitando a criação de regras de compensação de prejuízos fiscais de um negócio com os lucros de outro. “Essa transparência seria também uma ótima ferramenta para atração de investimentos no Brasil”, afirma.

Outros pontos também podem ser incluídos na reforma do Imposto de Renda. De acordo com a emenda constitucional 132, o Executivo tem até meados de março para enviar o texto ao Congresso Nacional.

Até o momento, o governo está dividindo a reforma da renda em três capítulos: o primeiro já foi aprovado e sancionado e estabeleceu a tributação sobre offshores e fundos exclusivos. Essa etapa foi antecipada para 2023 para ajudar na meta de zerar o déficit primário neste ano. Já o segundo capítulo tratará da tributação de operações do mercado financeiro, buscando estimular o mercado de capitais. Por ser um tema mais consensual, segundo o governo, será enviado num projeto de lei a parte. O outro projeto trará todos os demais temas da reforma da renda.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR JÉSSICA SANT’ANA, GUILHERME PIMENTA E BEATRIZ OLIVON — DE BRASÍLIA

 

 

 

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