Apenas conjugando esforços com os diversos atores da sociedade poderemos avançar em relação à agenda ambiental, possibilitando um futuro mais inclusivo e sustentável.
Adentramos um novo e delicado contexto ambiental – de urgência climática e eventos extremos, vide a recente onda de calor que vem assolando o Brasil -, em que há uma crescente preocupação da sociedade civil e do setor privado sobre a necessidade de gestão adequada conforme a legislação dos resíduos sólidos. Entidades e indústrias que representam o plástico pedem mais diálogo sobre o assunto para que não haja prejuízos, seja em faturamento ou pela perda de empregos no setor.
Em julho de 2023, o Comitê-Executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que compõe a estrutura do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), aprovou novas alíquotas de importação para plásticos, vidros e papel, cuja medida entrou em vigor em agosto, com uma alteração da tributação do plástico, que passou de uma taxa de 11,2% para uma importação que, desde então, foi para 18%.
No entanto, tão logo a medida foi divulgada, um corpo significativo de juristas, consultores tributários e especialistas em reciclagem e logística reversa constataram que a medida da Camex, embora positiva, é insuficiente para suprir os gargalos atuais, posto que o mercado externo ainda não pesa sensivelmente um volume que possa impactar o mercado interno. Em contrapartida, um dos estímulos possíveis para alavancar os índices de reciclagem e de aplicação da logística reversa passa pela desoneração do mercado doméstico, que também teria o efeito de estimular e incrementar a renda dos profissionais da reciclagem no país, cujo trabalho não pode ser esquecido.
Ainda hoje existe uma equiparação tributária de insumos reciclados dos in natura, fator que impacta decisivamente a escolha das indústrias ao comprar matéria prima, quando a desoneração para a compra de recicláveis seria mais rentável e econômica às empresas. O plástico virgem tem uma tributação menor que a incidente sobre a matéria-prima reciclada. Aqui reside a oportunidade de uma tributação diferenciada aos recicláveis, que teria um efeito dominó positivo sobre toda a cadeia produtiva, chegando ao catador individual.
A reforma tributária (PEC 45/2019) prevê a elevação da tributação sobre resíduos sólidos e saneamento dos cerca de 9% vigentes para 27%, desestimulando assim toda a cadeia, desde as indústrias até os catadores, podendo aumentar o número de aterros clandestinos e lixões pelo país, ao contrário do que se espera atualmente na agenda ambiental. A cobrança tributária passa a incidir também a nível estadual, ao substituir a arrecadação por meio do ICMS (estadual) e do ISS (municipal), enquanto ela ocorre apenas a nível federal.
Por esse motivo, acompanhamos com redobrada atenção na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado a aprovação do Projeto de Lei nº 2524/2022, de autoria do senador Jean-Paul Prates (PT/RN), que estabelece regras relativas à economia circular do plástico de uso único no país, e altera a Lei nº 9.605 (12 de fevereiro de 1998) para dar coercitividade à nova lei, tipificando condutas relativas ao seu descumprimento; e altera a Lei nº 14.119, de 13 de janeiro de 2021, para incluir as atividades das cooperativas e associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis no Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais.
A renomada Fundação Ellen MacArthur, organização global que promove e desenvolve conhecimento sobre economia circular, por sua vez, informou que, desde 2018, mais de 1.000 organizações apoiam seu Compromisso Global, criado em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), objetivando impedir que embalagens plásticas se transformem em poluição. Vale citar que sete empresas brasileiras estão listadas em sua base de dados de soluções que desempenham papel fundamental na transição para a economia circular e regenerativa.
Para dimensionar o tamanho dos desafios em relação ao resíduo, um estudo da Associação Brasileira de Embalagem (Abre) de 2022, atestou que o plástico representa 33,6%, da produção física de embalagens no país. Apontado sempre como o vilão das embalagens pós-consumo, a falta de informação sobre os benefícios e vantagens do plástico para a indústria alimentícia, por exemplo, e como tratá-lo de forma adequada, são fatores que corroboram práticas obsoletas e não adequadas ao lidar com o material.
Por esse motivo, as ações de educação ambiental estão no mesmo escopo de importância que a preocupação de fabricantes e indústrias para conscientizar, difundir e esclarecer as informações pertinentes ao destino dos resíduos plásticos pós-consumo. Estabelece-se então a reflexão e debate sobre o papel que o governo e a sociedade desempenham na construção de cidades mais eficientes sob o ponto de vista de gestão ambiental e o papel desempenhado pela iniciativa privada por meio da logística reversa e reciclagem, contribuindo com a limpeza urbana dos municípios e participando como agente de inclusão socioambiental, profissionalização e renda dos catadores, organizando-os em operadores da cadeia de reciclagem e buscando a eliminação do trabalho de tração humana.
Importante frisar que os serviços de limpeza urbana para triagem e transporte do plástico e também o trabalho dos catadores devem ter sua sustentabilidade financeira assegurada por políticas públicas que possibilitem a manutenção, expansão, profissionalização e remuneração adequada desses serviços. Apenas conjugando esforços com os diversos atores da sociedade poderemos avançar em relação à agenda ambiental, possibilitando um futuro mais inclusivo e sustentável.
Jessica Doumit é advogada, diretora de relações institucionais da eureciclo e diretora-presidente do Instituto Giro
FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR JESSICA DOUMIT