Telefone: (11) 3578-8624

O NOVO MARCO CIVIL DAS GARANTIAS

16 de janeiro de 2024

Subverter a ordem, seja criando soluções mirabolantes para recuperar o crédito, seja com a figura do agente de garantias, não significa dar às pessoas o que elas merecem.

A Presidência da República sancionou, com vetos, o Projeto de Lei nº 4.188/2021, convertendo-o na Lei nº 14.711/2023, que prevê, entre outras medidas, o aprimoramento das regras de garantia. Há pontos que os credores e aqueles que analisam risco de crédito devem considerar. Destacamos três inovações da lei: a solução negocial prévia ao protesto, as medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas e o agente de garantias.

A lei está posta, e sua eficácia ainda será verificada. Sem dúvida, o novo texto tem pontos positivos, tendo evoluído em especial quanto à possibilidade de se constituir mais de uma alienação fiduciária em garantia sobre o mesmo imóvel.

É comum na recuperação de crédito que o credor envie carta de cobrança extrajudicial ou tente esgotar os meios para chegar a uma composição amigável por meio de ligações, reuniões e notificações.

A negociação é em si uma faculdade das partes envolvidas em qualquer etapa, mas não é factível que, estando decidido a efetuar o protesto de determinado título, o credor prefira entrar num procedimento prévio ao protesto, com risco de comprometer a efetiva recuperação de seu crédito. É sabido que, nesses casos, o tempo é essencial para o êxito ou o malogro da medida. Assim, a solução prévia ao protesto prevista na Lei nº 14.711/2023 é um retrocesso e deve ser evitada pelos credores.

Nada obstante o acima descrito, o legislador criou ainda o instituto das medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas, onde prevê a manutenção do credor no âmbito dos cartórios para propor tais medidas.

Após o protesto, por meio da central nacional de serviços eletrônicos e a qualquer tempo, faculta-se ao credor, ao devedor e ao tabelião propor medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas. Ora, quem é o maior interessado em receber o crédito e no menor tempo possível? O credor. Então, por que incluir o devedor e o tabelião para buscar renegociação?

Incluir o devedor nessa decisão é contraproducente, porque a possibilidade de ele fazer uma contraproposta lhe permite ganhar tempo e acaba burocratizando algo que deve ser simples e ágil. Além disso, esse tempo a mais pode ser estratégico no caso de o devedor estar cogitando ou estruturando um pedido de recuperação judicial. E é igualmente sem sentido facultar ao tabelião a proposição de medidas de incentivo à renegociação, pois se trata de indivíduo alheio à relação jurídica entre credor e devedor.

Por fim, a figura do agente de garantia, em relação à qual se constatam diversos problemas a partir da leitura do artigo 853-A do Código Civil. A concentração de ‘poder no agente de garantia cria um monopólio e acaba contrariando a livre concorrência.

O agente de garantia recebe a titularidade das garantias. O credor pode nomear qualquer pessoa física ou jurídica como agente de garantia, e a lei não estabelece formalidade quanto a isso. Entretanto, sua substituição implica custo.

Isso porque, por exemplo, se há uma hipoteca registrada, então é assim que se deverá destituir o agente de garantia: registrando-se o ato no mesmo cartório onde se constituiu a garantia. E qual será o custo disso? Um valor fixo ou com base no valor da garantia? Não se sabe. Sem prejuízo de tais questionamentos, o fato é que o credor fica atrelado ao agente de garantia e só fará tal substituição se a situação for muito grave, em razão do custo que afetará seu crédito e a operação como um todo.

Nos demais parágrafos do texto de lei imputam-se várias obrigações aos agentes de garantias, mas nenhuma sanção em caso de descumprimento. Por exemplo, após receber o valor do produto da realização da garantia, o agente tem dez dias úteis para pagar os credores, mas não se prevê gravame se não o fizer.

Além disso, há um potencial conflito de interesses na figura do agente de garantia, na medida em que ele atuará em nome próprio e em benefício dos credores (caput, artigo 853-A), mas, em paralelo, pode manter contrato com o devedor (parágrafo 7º), e agindo de boa-fé perante este (parágrafo 8º). A boa-fé é só em relação ao devedor? E os credores que também o contrataram?

Já em caso de recuperação judicial do devedor, não se esclareceu como se classificariam os créditos que contariam com a garantia dos agentes, do que pode resultar disfuncionalidade sistêmica. Se esse agente for uma empresa privada, também está sujeito a falência, recuperação judicial ou extrajudicial. O fato é que há risco.

Não está claro como será o agente de garantia, até porque não há detalhes sobre sua constituição: por exemplo, em caso de pessoa jurídica, como será o patrimônio necessário para sua criação e outros elementos essenciais à transparência de tal informação.

Nada obstante os pontos acima descritos, foi publicada em 22 de dezembro, em edição extra do Diário Oficial da União, a reinstituição dos vetos apostos na Lei nº 14.711/2023, onde foram derrubados 16 dispositivos, dentre os quais se destacam: a busca e apreensão extrajudicial de bens móveis; a restrição de circulação e transferência do bem; a averbação da indisponibilidade do bem e da busca e apreensão extrajudicial; e a realização de diligências para a localização dos bens por credores ou terceiros mandatários; entre outros.

Tais alterações podem não ser a melhor opção ao credor, posto que, por exemplo, cada cartório, em tese, acaba atuando de modo singular e isso aliado a quantidade de cartórios de títulos e documentos no país (3.413 aproximadamente, sendo que 81% deste total estão na Central RTDPJBrasil) acaba sendo um obstáculo para a fluidez de um novo procedimento em um sistema.

É sempre oportuno resgatar a essência da Justiça. Segundo Aristóteles, justiça é dar às pessoas o que elas merecem: a cada um o que lhe é devido. Portanto, subverter a ordem, seja criando soluções mirabolantes para recuperar o crédito (solução prévia ao protesto e medidas de incentivo à renegociação de dívidas protestadas), seja com a figura do agente de garantias, não significa dar às pessoas o que elas merecem, mas criar uma disfuncionalidade sistêmica, traindo o objetivo inicial da lei, que era desburocratizar, diminuir custos e reduzir juros.

Antonio Carlos de Oliveira Freitas é mestre em direito empresarial pela FGV, especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP e sócio do escritório Freitas e Assad Advogados.

FONTE:VALOR ECONÔMICO – POR ANTONIO CARLOS DE OLIVEIRA FREITAS

 

 

Receba nossas newsletters