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TJ/SC BLOQUEIA BENS EM CASO DE INSOLVÊNCIA TRANSNACIONAL

15 de janeiro de 2024

Inovação foi trazida pela reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência, em vigor desde 2021

Uma liminar do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC) bloqueou os bens no Brasil de um empresário estrangeiro que responde a processo de insolvência transnacional de pessoa física. O reconhecimento desse tipo de medida é inédito no país. A inovação foi trazida pela reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falência, em vigor desde 2021, mas ainda não havia sido usada pelo Judiciário, afirmam especialistas.

Na decisão, o desembargador Osmar Mohr, da 6ª Câmara de Direito Comercial, determinou o bloqueio de três bens do empresário escocês Jason Hector Blain, exexecutivo da BBC, declarado insolvente pela Justiça da Escócia, em 2023.

A dívida estimada é superior a 95 milhões de libras (R$ 590 milhões), distribuída entre 33 credores de quatro países diferentes. A sentença de quebra já foi reconhecida na Inglaterra e está em vias de validação nos Estados Unidos, onde também há ativos no seu nome.

Os imóveis sob propriedade dele encontrados no Brasil ficam em um condomínio de luxo em Balneário Camboriú (SC). Juntos, têm valor de mercado estimado em R$ 20 milhões, o equivalente a cerca de 3,2 milhões de libras, que pagariam pouco mais de 3% do total do débito.

O que diz a liminar

Havia, segundo o processo, a intenção de venda dos imóveis pelo devedor. Por isso, o desembargador determinou o bloqueio deles. Na avaliação de Mohr, há “perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo” pela possibilidade de “dilapidação patrimonial e a consequente frustração de seus credores”.

“Se mostra mais prudente indisponibilizar os bens objetos dos autos para tentar garantir o pagamento dos credores do requerido”, afirma o desembargador na decisão (processo nº 5076905-15.2023.8.24.0000).

Na liminar, Mohr frisa que não se trata de pedido de homologação de decisão judicial estrangeira, mas de reconhecimento do processo de insolvência transnacional. A primeira instância do Judiciário negou essa demanda porque a homologação deveria ser feita no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esse processo tramita em paralelo e está em grau de recurso, à espera do pronunciamento do escocês até março (processo nº 5014643-14.2023.8.24.0005).

Insolvência transnacional

Segundo especialistas, a homologação no STJ pode demorar meses e se limita à aplicação expressa da sentença estrangeira no Brasil. Já o reconhecimento do processo — mudança trazida pela Lei nº 14.112, de 2020 — pode ser submetida diretamente ao juiz de primeira instância, que tem liberdade para dar seguimento à ação, ouvir testemunhas e bloquear bens. Ele pode, inclusive, colaborar diretamente com autoridades judiciais de outros países.

Para o advogado Tiago Schreiner Lopes, sócio do escritório Lollato, Lopes, Rangel e Ribeiro Advogados, focado em recuperação judicial e reestruturação de empresas, “exigir a homologação prévia vai contra a finalidade da lei que é dar mais celeridade e gerar cooperação efetiva nas jurisdições”.

Por isso, a mudança na legislação, trazida pelo artigo 167 da Lei 14.112/2020, facilitou o trâmite desses tipos de ação. “Antigamente, tínhamos que pegar a sentença [estrangeira], levar no STJ para autorizar e depois levar para a primeira instância. Agora não, se reconhece o processo sem a burocracia do STJ. O objetivo da lei é ser simples e de rápida aplicação, senão, termina não encontrando ativos”, afirma o advogado Henrique Forssell, sócio do escritório Duarte Forssell Advogados, que trabalhou no caso. Ele representou o administrador judicial do processo originário, da Escócia, James Bernard Stephen.

O inverso já ocorreu, diz Forsell, que atuou na homologação da falência do Banco Santos, nos Estados Unidos, e outros 50 casos semelhantes. “O Brasil já fez uso da lei modelo, mas não havia o caminho inverso. E, agora, pode prestar auxílio”, afirma. Aplicação correta da leitraz segurança jurídica para investidores— Henrique Forssell

Em seu entendimento, a aplicação correta da lei deve demonstrar segurança jurídica para investidores. “Ele vai saber que se colocar dinheiro em uma estrutura aqui que, eventualmente, entre em insolvência, o crédito vai ser tratado de forma eficiente, porque a legislação permite isso.”

Advogados do caso ainda recorrem, no processo principal, da necessidade de esperar a defesa de Blain, uma vez que, no entendimento deles, não há parte contrária em ações de reconhecimento de insolvência transnacional em processo estrangeiro. A liminar, no entanto, acrescentam, deve trazer reflexos positivos. “O tribunal já sinalizou, na questão material, que entende a diferenciação entre homologação de sentença e reconhecimento de processo”, diz Forssell.

De toda forma, ainda existe um desconhecimento dessa possibilidade tanto por advogados quanto pelo Judiciário, diz o advogado Rafael Rebola, sócio do Rebola, Valdívia, Faria e Figueiredo (RVF) Advogados. “Ainda é de pouco conhecimento popular e são pouquíssimos os processos que vêm aplicando esse novo dispositivo.

Por isso que a decisão do TJ de Santa Catarina é tão emblemática. As pessoas ficam com receio de tentar uma tese nova, mas, uma vez reconhecida, tem um efeito manada.”

Na visão da advogada Camila Crespi, do escritório Luchesi Advogados e vice-presidente da Comissão de Relação Internacional da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), o reconhecimento é um caminho menos burocrático do que ir ao STJ. “A mudança veio para desburocratizar a lei brasileira e possibilitar a cooperação jurídica internacional, desde que não viole a ordem pública ou o princípio constitucional”, diz.

Histórico

O pedido de insolvência de Blain foi feito por um hotel cinco estrelas em Londres, na Inglaterra, o Mandarin Oriental Hyde Park Hotel, por uma conta de 740 mil libras (R$ 4,5 milhões) não paga. O escocês reservou uma cobertura por cerca de oito meses. Ele também tem dívidas com outro hotel cinco estrelas da cidade, o The Dorchester London. A história foi publicada por veículos de imprensa locais, como o jornal britânico Daily Mail e o The Sun, na época.

Segundo o escritório Duarte Forssell Advogados, o escocês não tem contribuído no andamento das ações judiciais e, até então, não se sabe quem é o representante legal dele no Brasil.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR MARCELA VILLAR — SÃO PAULO

 

 

 

 

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