Os tributaristas de plantão foram pegos de surpresa no último dia útil do ano de 2023, 29 de dezembro, com a publicação da Medida Provisória n° 1.202/2023. Essa MP, entre outras medidas tributárias, propôs a revogação dos benefícios fiscais do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).
A medida surge como um ponto de interrogação legal, levantando questões sobre sua legalidade e constitucionalidade.
O Perse, implementado pela Lei nº 14.148/2022, foi uma resposta direta aos impactos devastadores da Covid-19 no setor de eventos. O artigo 4º da referida lei reduziu a zero as alíquotas de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins para as empresas do setor por um período de cinco anos, com o objetivo claro de fomentar a retomada da indústria de eventos.
Com efeito, as empresas do setor de eventos, ao longo dos últimos anos, organizaram e planejaram suas operações com base nos benefícios proporcionados pelo programa. Por outro lado, desde sua concepção, o Perse nunca foi plenamente aceito pelo governo federal, que consistentemente demonstrou intenção de revogar os benefícios.
Nesse sentido, a MP n° 1202/2023 altera o artigo 4º da Lei nº 14.148/2022, estabelecendo o fim dos benefícios fiscais do Perse de forma antecipada, a partir de 1º de janeiro de 2025, para o IRPJ, e a partir de 1º de abril de 2024, para CSLL, PIS e Cofins. Este movimento abrupto do governo suscita sérias preocupações sobre a justificativa de “relevância e urgência”, critérios essenciais para a edição de uma medida provisória.
A implementação do Perse foi uma decisão calculada e planejada, oferecida por um prazo determinado, o que permitiu tanto às empresas beneficiadas quanto ao próprio governo se prepararem e planejarem com base nessa medida.
Desse modo, o planejamento fiscal das empresas do setor foi pautado nessa concessão. Diversos empregos foram mantidos ou gerados justamente em razão do benefício fiscal. A revogação sem aviso prévio e sem uma justificativa plausível vai contra a estabilidade e a previsibilidade necessárias para a gestão empresarial, bem como configura uma ameaça à segurança jurídica.
Do mesmo modo, o governo federal deveria ter considerado os impactos do Perse em seu planejamento orçamentário para os exercícios futuros. A concessão do benefício foi feita com um prazo definido, o que deveria permitir ao governo organizar suas finanças e políticas fiscais de acordo com o período estipulado. A revogação repentina do programa por meio de uma medida provisória, que deveria ser reservada para situações de extrema urgência e relevância, é uma ação que não se justifica neste contexto, eivando-a de inconstitucionalidade.
Além disso, a revogação proposta pela MP viola o artigo 178 do CTN, que estabelece que a isenção concedida por prazo certo e em função de determinadas condições não pode ser revogada ou modificada por lei.
Argumentar que a redução a zero não constitui uma isenção, mas sim uma alíquota zero, é ignorar o efeito prático da medida. Como dito, o Perse foi instituído como um benefício fiscal com prazo determinado, sob a justificativa explícita de estimular a recuperação de um setor severamente afetado pela pandemia. Além isso, a lei estabeleceu uma série de requisitos e condições para a sua aplicabilidade, como, por exemplo, a necessidade de inscrição no Cadastur para algumas empresas.
A revogação antecipada desses benefícios, portanto, não apenas viola o CTN, mas também compromete a confiança que as empresas depositaram no programa. Essa ação ameaça desestabilizar o frágil processo de recuperação em que muitas dessas empresas se encontram e pode ter efeitos duradouros no setor de eventos como um todo, impactando negativamente a economia e o emprego.
A MP, mesmo que não convertida em lei, tem o potencial de causar prejuízos consideráveis. Algumas empresas, temendo não usufruir plenamente dos benefícios do Perse em 2024, podem optar conservadoramente pelo Simples Nacional como regime tributário. Caso a MP seja posteriormente rejeitada, essas empresas sofrerão prejuízos, perdendo o direito ao programa para o ano de 2024 devido à sua opção pelo Simples Nacional, tendo em vista a impossibilidade de cumulação do regime simplificado com o Perse.
É imperativo que haja mais debate e consideração sobre essa questão. O Perse não é apenas uma questão de benefício fiscal. É uma medida fundamental para a sobrevivência e recuperação de um setor que é vital para a economia e para a cultura. Espera-se que o desfecho disso tudo leve em conta a importância do programa para o setor de eventos.
FONTE: CONSULTOR JURIDICO – POR GUILHERME CHAMBARELLI