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PEJOTIZAÇÃO, TERCEIRIZAÇÃO E AS DECISÕES DO SUPREMO

9 de janeiro de 2024

Faz-se urgente, portanto, um esclarecimento sobre as diferenças entre pejotização e terceirização na instância superior.

A pejotização, entendida como a prestação de serviços pessoais por meio de pessoa jurídica (PJ), sem vínculo empregatício, tem se disseminado como uma praga no mercado de trabalho brasileiro. Sua face mais escancarada pode ser percebida na avalanche de contratações de profissionais liberais, como representantes de vendas, médicos, jornalistas, profissionais de TI, corretores ou advogados, entre outros, como pessoas jurídicas pelas empresas.

É verdade que o fenômeno da pejotização é mundial. Essa tendência se justifica pelo avanço tecnológico e a consequente adaptação do mercado ao novo mundo do trabalho. Ocorre que, no Brasil, alguns empregadores se valem desses contratos para se esquivar de suas obrigações trabalhistas. Nos últimos anos, a pejotização passou a ser atraente para os empregadores, por entenderem ser esse um caminho imperceptível para mascarar a relação de emprego entre a pessoa jurídica e o tomador de serviços.

Como efeito, avolumaram-se, na Justiça do Trabalho, ações referentes a contratos de pessoa jurídica nos quais se comprova claramente a relação de emprego da empresa contratante com o funcionário. A subordinação estrutural, que se caracteriza pela inserção do trabalhador na dinâmica empresarial, assim como a subordinação jurídica, que pressupõe a sujeição do trabalhador a ordens, fiscalização e disciplina do empregador, são as principais questões de discussão no campo probatório da reclamação trabalhista: da demonstração da pessoalidade (o trabalhador não pode ser substituído em sua função, sendo obrigado a exercer pessoalmente a atividade), da onerosidade (o colaborador recebe pagamentos pela prestação de serviço, como salário, comissão, ajuda de custo, entre outros) e da não eventualidade (o trabalhador desenvolve uma rotina diária), nos termos do artigo 3° da CLT.

Vale lembrar que diversas ações que buscam garantir direitos suprimidos de trabalhadores indevidamente pejotizados têm alcançado sucesso na Justiça do Trabalho, mas esbarram em votos e decisões divergentes no Supremo Tribunal Federal (STF). Ressalte-se que tem sido  peculiar o entendimento do STF em ações que buscam identificar e condenar os casos de fraudes trabalhistas verificados em contratos irregulares de PJ, ao reformar as reclamações com base em decisões anteriores relativas à terceirização, e não à pejotização.

Há evidente confusão quando o entendimento jurídico mistura o tratamento de práticas de terceirização com as de pejotização. Ora, não se pode perder de vista as diferenças profundas no regime de contratação de um profissional PJ e um terceirizado, principalmente no que diz respeito aos direitos trabalhistas e à remuneração dos colaboradores. O trabalhador contratado como pessoa jurídica tem uma empresa com CNPJ, presta serviços de forma autônoma por meio dela, emite notas fiscais para os serviços prestados e paga os devidos impostos. Trata-se de um profissional sem direitos trabalhistas e sua relação com a empresa contratante é regida pelo Código Civil e outras leis esparsas.

Na terceirização, uma empresa é contratada para fornecer os profissionais especializados para realizar as atividades de uma organização. Assim, a relação de emprego se faz entre o trabalhador e a empresa prestadora de serviços e não diretamente com o contratante. Os trabalhadores terceirizados, por sua vez, são contratados com carteira assinada e a relação de trabalho é regida pela CLT. Todos os direitos são assegurados, tais como jornada semanal máxima de 44 horas, horas extras, folga semanal remunerada, 13º salário, depósitos mensais de FGTS por parte do empregador, licença maternidade/paternidade, auxílio-doença, férias mensais remuneradas e seguro-desemprego.

Olhando pelo retrovisor, vemos que, nos últimos anos, o sistema jurídico brasileiro vem sofrendo várias alterações e adaptações no que diz respeito aos direitos do trabalho. A legalidade da terceirização em atividades-fim, reconhecida em 2017, com a publicação da Lei nº13.942, gerou inúmeras controvérsias, apaziguadas, finalmente, pelo STF, em 2018. A pejotização, por sua vez, alterou, de um lado, obrigações das empresas e, de outro, estabeleceu novos parâmetros para os trabalhadores, em geral. Não obstante, ao tratar os trabalhadores contratados em regime PJ como empregados CLT, abriu caminhos para práticas vistas como fraudes trabalhistas.

É preciso oferecer aos trabalhadores um horizonte mais seguro e, ainda mais necessário, assegurar que sejam garantidas as devidas responsabilizações por fraudes trabalhistas. Faz-se urgente, portanto, um esclarecimento sobre as diferenças entre pejotização e terceirização na instância superior. Ao adaptar o entendimento sobre terceirização para chancelar fraudes trabalhistas em contratos de PJ, cria-se uma maior insegurança jurídica no país.

Denison Leandro é pós-graduado pela FGV, especialista em Direito do Trabalho e sócio fundador do escritório Denison Leandro e Advogados Associados.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

FONTE: VALOR ECONÔMICO – POR DENISON LEANDRO

 

 

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