Estudo inédito da Receita Federal mostra que, entre as empresas optantes do regime, há um elevado nível de omissão de receita bruta.
Em meio aos debates promovidos pelo governo federal e pelo Congresso Nacional para mudar o regime de tributação “Simples”, um estudo inédito da Receita Federal mostra que, entre as empresas optantes do regime, há um elevado nível de omissão de receita bruta. O Fisco estima que R$ 568 bilhões não foram declarados pelos pequenos e médios negócios no ano de 2019, valor equivalente a 32,4% da receita potencial do Simples no ano.
Na prática, as empresas do Simples declararam R$ 1,186 trilhão em 2019, enquanto a receita estimada era de R$ 1,754 trilhão, nos cálculos do estudo feito pelo Fisco para medir o “gap tributário” das empresas, a partir de dados estatísticos. O mais recente ano analisado é o de 2019.
O chamado “gap de receita” do Simples – valor não declarado em proporção à receita esperada – tem ficado em 32%, variando a casa decimal nos anos de 2017 a 2019.
“Hipoteticamente equivaleria afirmar que de cada três empresas do Simples Nacional uma não declara qualquer atividade à Receita”, diz o Fisco.
Segundo o estudo, o percentual aponta a existência de “um elevado nível de omissão de receita entre as pequenas empresas”, por três principais fatores: tributação fortemente concentrada na receita ao invés do lucro, o que faz com que a evasão fiscal se concentre na omissão de faturamento; maior nível de informalidade nas vendas; e dificuldade de planejamentos tributários mais sofisticados.
“Por serem empresas com maior informalidade, há a presença de ‘faturamento ou recebimento por fora’ [sem nota fiscal], não contabilização de receitas, acerto de contas com fornecedores e clientes sem o trânsito financeiro ou reconhecimento contábil, dentre outras modalidades para sonegar o montante de receita a ser oferecido à tributação”, explica Leonardo Freitas de Moraes e Castro, sócio do escritório VBD Advogados.
Ademais, acrescenta, “por terem clientes menores, na ponta final da cadeia produtiva, isso dificulta a fiscalização e não incentiva o recolhimento e declaração de tributos de forma completa e correta”.
Ainda segundo o estudo, os “gaps de receita” do Simples são mais expressivos no comércio (45% do gap total) e serviços (28%), em valores absolutos. Isso se explica pela grande quantidade de empresas que compõem esses setores, representando mais de 50% do total de negócios optantes do regime em 2019.
O governo criou, em junho deste ano, um grupo de trabalho para propor aperfeiçoamentos no Simples, mas os resultados ainda não foram divulgados.
O ministro do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, Márcio França, afirmou na semana passada que estuda propor mudanças no Simples Nacional, como tetos de acordo com o rendimento, e não um único limite, como atualmente. A proposta precisará ser aprovada pelo Congresso.
Em relação à omissão de receita, os técnicos do Fisco sugerem a implementação de uma auditoria aleatória às empresas do Simples, com periodicidade trianual. Hoje, tais empresas são submetidas à auditoria dentro do programa já existente de seleção fiscal da Receita, porém a cobertura nesse segmento é bastante baixa.
Em nota, a Receita Federal diz que o estudo será “devidamente analisado pela área para avaliação quanto aos procedimentos que se façam necessários para comprovação ou não desse levantamento”. E acrescenta que, “no tocante ao Simples, a Receita Federal tem investido na identificação de inconsistências por batimentos eletrônicos abrangentes e posterior comunicação direta ao contribuinte para que se regularize”.
Arthur Barreto, advogado tributarista sócio do DSA Advogados, diz que a auditoria aleatória pode sim reduzir o “gap tributário”, mas destaca ser necessário diferenciar “os contribuintes que maliciosamente deixam de cumprir suas obrigações tributárias daqueles que têm alguma dificuldade de fazê-lo”.
Eduardo Maciel, sócio especialista do escritório MFBD Advogados, pondera que o Simples tem problemas que induzem à sonegação, como: progressividade da alíquota conforme o aumento do faturamento; e falta de atualização da tabela anualmente. Procurado pelo Valor, o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte não deu retorno até o fechamento da edição.
FONTE: VALOR ECONOMICO – POR JÉSSICA SANT’ANA — DE BRASÍLIA