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RECUPERAÇÃO JUDICIAL: EMPRESAS ADOTAM MEDIDA LEGAL POLÊMICA PARA SE PROTEGER DE CREDORES OU NEGOCIAR

6 de fevereiro de 2023

Tutela cautelar de urgência foi usada por várias empresas e ganhou destaque com os casos Americanas e Oi.

A crise na Americanas e na Oi jogou holofotes para uma saída jurídica chamada “tutela de urgência cautelar”. A medida está prevista, desde 2020, na Lei de Recuperação Judicial e Falência (nº 11.101, de 2005) e já foi usada em vários outros casos levados ao Judiciário. Mas, agora, parece que vai virar moda o uso desse instrumento para obter na Justiça muito mais do que a suspensão de cobranças de credores.

Pela lei, pode ser adotada para antecipar os efeitos da recuperação judicial (parágrafo 12 do artigo 6º), como ocorreu nos casos Americanas e Oi. Ou para abrir um período de mediação ou conciliação com credores e, assim, tentar evitar a abertura de um processo de reestruturação (parágrafo 1º do artigo 20-B).

Como o período para conciliação ou mediação é de 60 dias, alguns especialistas entendem que essa saída seria mais difícil de ser adotada em grandes casos. Por isso, dizem, prefere-se, em algumas situações, antecipar os efeitos da recuperação judicial — evitando cobranças dos credores.

Outros afirmam que o intuito da lei é incentivar a mediação e conciliação. Assim, mesmo em casos grandes, em que é comum a concentração da maior parte dos créditos nas mãos de poucos credores, poderia-se tentar uma negociação prévia com eles. No caso da Americanas, por exemplo, com BTG, Itaú e Bradesco.

Além disso, especialistas criticam o uso da tutela cautelar como aconteceu nos casos Americanas e Oi. Afirmam que essa medida só poderia ser requerida após o pedido de  recuperação judicial. E que, nos casos da varejista e da companhia de telefonia, as determinações impostas teriam ido muito além da suspensão do “stay period” — período de 180 dias durante o qual a empresa não pode receber cobranças de credores.

Especialistas apontam também que a opção pelo uso da tutela de urgência cautelar, com base no artigo 6º, deixa os credores sem disposição para negociação. Isso porque o dispositivo obriga a empresa a pedir, no prazo de 30 dias, a recuperação judicial, sob pena de perda da eficácia da medida.

Já a tutela fundamentada no artigo 20-B suspende as cobranças dos credores por 60 dias e o pedido de recuperação judicial é facultativo. No caso de recuperação judicial, esse prazo é descontado do “stay period”.

O caminho da antecipação dos efeitos da recuperação já havia sido adotado, por exemplo, pelo Figueirense Futebol Clube, de Santa Catarina, hoje em processo de reestruturação. O clube afirmou, no pedido de tutela, ter dívidas que somam R$ 165 milhões — dos quais cerca de R$ 100 milhões se referem a dívidas trabalhistas e com fornecedores, empréstimos e indenizações cíveis, sujeitas à recuperação.

Já uma maternidade de Campinas (SP) obteve na Justiça, em agosto, a suspensão de cobranças de credores por 60 dias, enquanto negociaria com credores, por meio de mediação ou conciliação. O juiz Maurício Simões de Almeida Botelho, da 10ª Vara Cível de Campinas, considerou que a maternidade presta serviços hospitalares essenciais à população local e comprovou a crise econômico-financeira.

“O uso das tutelas cautelares garante a utilidade do processo de restruturação, seja ela realizada por meio de procedimentos mais curtos, como a mediação, seja por meio da própria recuperação judicial”, diz Ricardo Siqueira, sócio do RSSA Advogados, que defende a maternidade.

No caso da Americanas, a varejista pediu a tutela cautelar de urgência preparatória para a recuperação judicial com base no parágrafo 12 do artigo 6º. O dispositivo determina que “o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial”.

Com o deferimento da tutela, a Americanas conseguiu 30 dias de suspensão de cobranças, a liquidação de operação com derivativos, a preservação das linhas de crédito e até a ordem de “imediata restituição de valores compensados em virtude do fato relevante de 11 de janeiro” — que divulgou o rombo contábil de R$ 20 bilhões.

O intuito da cautelar era abrir uma negociação com um grupo de credores a ponto de se evitar a recuperação judicial, segundo a advogada Juliana Bumachar, sócia do Bumachar Advogados. “A diferença dos outros casos em comparação com a Americanas é que a tutela obtida pela varejista não apenas antecipa efeitos de uma recuperação judicial, mas defere vários outros pedidos”, diz. “Minha preocupação é a mediação antecedente que a lei prevê perder a eficácia”, acrescenta.

Para o promotor e professor da FGV Juan Vazquez, tudo leva a crer que o pedido da tutela cautelar é uma tendência. “Porque tivemos o pedido da Americanas em janeiro e agora em fevereiro a mesma estratégia usada pela Oi foi aceita pelo Judiciário”, afirma.

Ele lembra, porém, que as decisões são monocráticas e isso ainda será debatido, no Judiciário, por um colegiado.

Ainda segundo o professor, a tutela cautelar do artigo 6º só pode ser usada quando já há um pedido de recuperação judicial e, por exemplo, o juiz demora para analisar. “No mundo inteiro não existe a possibilidade de se usar uma tutela cautelar de urgência tão violenta. ”

FONTE: Valor Econômico – Por Laura Ignácio e Arthur Rosa — São Paulo

 

 

 

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