Pelo menos 15 contribuintes – empresas e pessoas físicas – recorreram à Justiça para tentar retirar os seus casos da pauta de julgamento do Carf.
Pelo menos 15 contribuintes – empresas e pessoas físicas – recorreram à Justiça para tentar retirar os seus casos da pauta de julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Sete deles haviam recebido resposta até a noite de ontem: três conseguiram e quatro não foram atendidos.
Esse movimento teve início no dia 18 de janeiro, depois que o Carf divulgou a pauta das primeiras sessões do ano. Os julgamentos começam hoje e os processos que serão analisados estarão sujeitos à aplicação do voto de qualidade, o critério de desempate mais favorável à Fazenda Nacional, que foi restabelecido pela Medida Provisória (MP) nº 1.160.
Os contribuintes vêm pedindo à Justiça para que os casos não sejam julgados até que o Congresso Nacional decida se a MP será ou não convertida em lei.
“Se os processos forem julgados e a MP não for convertida em lei, teremos um problema muito grande de isonomia. Contribuintes com a mesma discussão e mesmo resultado, o empate, receberão decisões diferentes unicamente por um dos casos ter sido julgado no período de vigência da MP”, diz Eduardo Barboza, sócio do Rafael Nichele Advogados Associados.
Há processos, além disso, que começaram a ser analisados no Carf quando estava vigente o critério anterior, que favorece os contribuintes. Os advogados pedem que, nesses casos, a regra não mude.
O voto de qualidade é aplicado quando um julgamento termina em empate. Por esse critério, o presidente da turma – sempre um conselheiro indicado pelo Fisco – é quem tem o poder de decisão.
Desde abril de 2020 não era mais utilizado no Carf por conta de uma mudança na legislação. A Lei nº 13.988 passou a prever que em caso de empate o contribuinte teria a vitória.
A reviravolta veio neste mês. O restabelecimento do voto de qualidade, por meio da MP nº 1.160, foi anunciado no dia 12 de janeiro como parte do pacote de medidas de recuperação fiscal.
Ontem, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade contra a norma (ADI 7347). “Inadmissível e inconcebível falar em urgência”, afirma na petição protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF).
A OAB pede que os efeitos da MP sejam imediatamente suspensos e se aplique a regra anterior ou, subsidiariamente, que os ministros suspendam a proclamação dos resultados dos casos que terminarem em empate até que haja um pronunciamento da Corte ou a decisão do Congresso de converter ou não a MP em lei.
“Seria interessante que a Fazenda debatesse o tema com a sociedade civil, até em busca de uma solução macro. Onde ficou a promessa de diálogo? Já passa da hora de afastar essa compreensão preconceituosa de que o contribuinte tem chifre, rabo e cheira a enxofre”, diz Luiz Gustavo Bichara, do Bichara Advogados, que atua como procurador tributário do Conselho Federal da OAB.
Também no dia de ontem, os contribuintes receberam as primeiras decisões favoráveis da Justiça Federal para suspender os julgamentos de seus casos no Carf. O juiz Itagiba Catta Preta Neto, da 4ª Vara Federal do Distrito Federal, concedeu duas liminares: uma beneficia um contribuinte pessoa física e a outra atende a Marfrig Global Foods.
“A observância do princípio da segurança jurídica impõe clareza e publicidade de normas, estabilidade do direito e respeito às decisões anteriores”, afirma o juiz nos dois casos (processos nº 1006765-81.2023.4.01.3400 e nº 1006632-39.2023.4.01.3400).
Bruno Rodrigues Teixeira, do TozziniFreire Advogados, que atua para o contribuinte pessoa física beneficiado pela decisão, diz que o processo em que seu cliente é parte começou a ser julgado em dezembro do ano passado – quando o voto de qualidade estava extinto – e foi interrompido por pedido de vista.
“Defendemos que estarão violados os princípios da segurança jurídica e do devido processo legal se a regra processual se alterar no curso do julgamento”, frisa. O mesmo juiz desses dois casos, no dia de ontem, também reverteu uma decisão que havia, inicialmente, sido proferida de forma contrária ao pedido feito pela empresa Yolanda Participações S/A. A primeira decisão, negando a retirada do caso da pauta do Carf, foi proferida pelo juiz substituto da 4ª Vara.
“Em alguns processos que tratam de situações idênticas, decidi em sentido contrário ao colega, razão pela qual acolho o pedido de reconsideração”, diz o juiz Itagiba Catta Preta Neto, que é titular da Vara (processo nº 1005912-72.2023.4.01.3400).
A maioria das decisões que se tem até agora, no entanto, é contrária ao pleito dos contribuintes. A primeira foi proferida na semana passada pelo juiz Manoel Pedro Martins de Castro Filho, da 6ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, que negou pedido da Petrobras. A estatal discute cobranças de R$ 5,7 bilhões, que – com a negativa – irão a julgamento hoje no Carf (processo nº 1005243-19.2023.4.01.3400).
Para Julio Janolio, do escritório Vinhas e Redenschi, no entanto, “é gritante” a insegurança jurídica de ter um processo relevante julgado no Carf nesse período. “Daqui a poucos meses, quando terminar o processo legislativo da MP, o voto de qualidade pode ser novamente extinto pelo Congresso, que já optou por essa medida em 2020”, enfatiza.
O Carf afirma, em nota, que a MP está vigente e o Conselho está funcionando normalmente. “É um direito das empresas recorrer à Justiça. Porém, o entendimento do Carf é que os julgamentos devem ter prosseguimento normal”, diz.
FOMTE: Valor Econômico – Por Joice Bacelo e Beatriz Olivon — De São Paulo e Brasília