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CARF TEM PAUTA ‘PESADA’ EM MEIO A DÚVIDA SOBRE VOTO DE QUALIDADE NO CONGRESSO

25 de janeiro de 2023

A reversão de teses no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) com o retorno do voto de qualidade é uma das grandes apostas do novo governo para elevar a arrecadação e diminuir o déficit fiscal.

No entanto, a conversão em lei da Medida Provisória (MP) 1.160/2023, que restabeleceu a regra como único critério de desempate, dependerá da articulação do governo Lula com o Congresso Nacional, que se mostra resistente à medida.

O JOTA apurou que a Frente Parlamentar do Empreendedorismo está mobilizada para barrar a MP 1.160/23. A frente é mista (composta por senadores e deputados) e possui 214 membros. Diante desse quadro, tributaristas expressaram preocupação com um cenário que consideram de insegurança jurídica, impróprio para que o Carf vote grandes teses. Segundo eles, empresas podem recorrer à Justiça para suspensão dos julgamentos até a votação da MP no Congresso.

Apesar desse cenário, o Carf pautou para o início de fevereiro processos que discutem teses cujos resultados foram revertidos a favor das empresas durante a vigência do desempate pró-contribuinte, regra que permaneceu válida de abril de 2020 ao último dia 12. Entre elas estão a tributação de lucros no exterior e a amortização de ágio com uso de empresa veículo.

O voto de qualidade é o peso duplo do posicionamento do presidente da turma de julgamento do Carf, sempre um representante do fisco. Assim, na maioria dos casos, o desempate é a favor da União. Já o desempate pró-contribuinte, como o nome indica, resolve os casos de empate sempre a favor da pessoa jurídica ou física de quem está sendo cobrado o tributo.

Segundo a advogada Gisele Bossa, sócia do Demarest e ex-conselheira do Carf, após a publicação da pauta de fevereiro pelo Carf com temas relevantes, entrou na radar das empresas a possibilidade de ingressar com medidas judiciais para que seus processos sejam retirados de pauta pelo menos até a análise da MP 1.160/23 pelo Congresso. “Sabemos que é um ponto que as empresas tendem a avaliar internamente”, afirma.

A advogada observa que, embora as partes do processo administrativo – contribuintes e Fazenda – tenham a prerrogativa de solicitar a retirada ao Carf, existem limitações a esse direito. Segundo ela, o Carf permite solicitar a retirada do processo de pauta ou transferência do julgamento, mas por motivo justificado, conforme a Portaria 3.364/2022.

A norma prevê que o pedido será submetido à análise do presidente da turma, que poderá deferi-lo desde que não tenha sido concedido pedido anterior à mesma parte. Ainda segundo a portaria, a solicitação deve ser feita até dois dias antes do início da reunião mensal de julgamento. Além disso, o tribunal faculta a retirada de pauta para alteração da forma de julgamento, de videoconferência para presencial, desde que o pedido seja apresentado dentro do prazo e seja a primeira inclusão do processo em pauta.

Bossa afirma que, desde antes da instituição do desempate pró-contribuinte, em 2020, havia questionamentos judiciais ao voto de qualidade. “Houve uma tentativa grande de judicialização lá atrás, antes da alteração [do critério], questionando a legalidade e constitucionalidade da adoção do voto de qualidade ”, comenta. Na avaliação da tributarista, no momento atual, as chances de um eventual questionamento prosperar são maiores devido ao argumento da insegurança jurídica, em razão da mudança instaurada em curto espaço de tempo.

“Agora, a gente tem o argumento da precariedade da medida provisória. É mais razoável em termos de chance de êxito em conseguir o amparo judicial para retirada de pauta [dos processos] até o desfecho dessa MP”, observa.

Insegurança

Sarina Manata, assessora jurídica da FecomércioSP, também vê argumentos jurídicos favoráveis aos contribuintes. “Eu entendo que há possibilidade, sim [de decisão favorável], por conta da insegurança. Acho que, dependendo da situação, talvez valha a pena recorrer [à Justiça] especificamente para pedir a retirada de pauta [dos processos] enquanto houver esse cenário de incerteza”, avalia. A FecomércioSP tem posicionamento contrário ao retorno do voto de qualidade no Carf. A entidade enviou ofícios ao Ministério da Fazenda, à Casa Civil e às presidências da Câmara e do Senado manifestando sua posição.

Segundo Sarina Manata, a federação avalia que a retomada da regra como único critério de desempate não terá o impacto que o governo espera na arrecadação e acarretará, como efeito colateral, o aumento da judicialização após o encerramento dos processos no Carf.

“Não nos parece que haverá aumento da arrecadação, pois as empresas que discutem grandes valores no Carf estão bem representadas por advogados e vão buscar o Judiciário. Só vai mudar a esfera de discussão, de administrativa para judicial”, comentou.

A FecomércioSP também vê a decisão de elevar o limite de alçada para acesso ao Carf, de 60 para mil salários-mínimos, como prejudicial. “A preocupação é com as empresas menores, que, muitas vezes, não têm condições de contratar um advogado para fazer seu recurso. No Judiciário, os custos para acessar são maiores, com exigência de advogado e garantia”, afirmou Sarina Manata.

Controvérsia

Embora bem recebido pelo setor privado, o desempate pró-contribuinte, instituído pela Lei 13.988/2020, desagradou aos representantes do fisco, que viram o mecanismo como uma fonte de perda de arrecadação.

Contra a medida, foram propostas no Supremo Tribunal Federal (STF) as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6403, 6399 e 6415. Em março do ano passado, a constitucionalidade da nova regra começou a ser discutida, mas foi suspensa após pedido de vista do ministro Nunes Marques. O placar estava em 5×1 para considerar o desempate pró-contribuinte constitucional.

O antigo Ministério da Economia também atuou para restringir a aplicação do desempate pró-contribuinte, editando a Portaria 260/2020. Conforme a norma, o voto de qualidade continuaria a ser usado em alguns casos, como processos relativos a declarações de compensação e responsáveis solidários.

Para Gisele Bossa, é “natural” que o governo busque a aplicação imediata do voto de qualidade. “Todas as MPs são de aplicação imediata. Essa zona cinzenta vai existir enquanto [a MP] não for convertida em lei e, naturalmente, eles [governo] vão usar a MP para que seja aplicado o voto de qualidade”, diz.

Já Camila Tapias, sócia do Utumi Advogados, afirma que o Carf deveria suspender as sessões até a análise da MP pelo Congresso Nacional. Tapias afirma que, se isso não acontecer, a possibilidade de as empresas impetrarem mandado de segurança na Justiça Federal está sobre a mesa.

De acordo com ela, se tomada, a medida questionaria a necessidade de urgência da MP com base no artigo 62 da Constituição Federal, que prevê os critérios de “relevância e urgência” para que o Executivo possa editar uma medida provisória. “A pauta que o Carf colocou para julgamentos tem valores altíssimos, assuntos que já tinham sido revertidos quando caiu o voto de qualidade. É muito temerário o que está acontecendo”, disse.

Pauta “pesada”

Alessandro Mendes Cardoso, sócio do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados afirma que a publicação de uma pauta considerada pesada logo após a volta do voto de qualidade gera “perplexidade”.  “É uma situação de insegurança jurídica. Não era, na minha visão, o mais adequado que essa pauta viesse tão pesada, tão relevante logo em seguida à mudança do critério do julgamento”, avalia.

Cardoso ressalta que, para evitar a insegurança jurídica, a mudança deveria ter sido por projeto de lei, e não por medida provisória. O advogado apontou que em poucos meses o cenário da perspectiva de julgamento mudou e essa é uma preocupação para as empresas que têm processos relevantes na pauta.

“De repente, com a mudança da MP, o cenário se torna outro. Na virada do ano, um cenário que poderia estar com uma avaliação interna de risco baixo se torna de risco alto. Para um planejamento financeiro dentro de uma empresa, é algo muito sério”, aponta.

Lucros no exterior e ágio

As primeiras sessões do Carf em 2023, da 1ª Turma da Câmara Superior e das turmas ordinárias da 2ª Seção, serão presenciais e estão agendadas entre 1º e 3 de fevereiro. As turmas deveriam ter se reunido de 10 a 12 de janeiro, mas o novo presidente do órgão, Carlos Higino Ribeiro de Alencar, suspendeu os julgamentos sem informar o motivo. Na época, especulou-se que a razão seria ganhar tempo para fazer alterações na estrutura do Carf.

Entre os processos pautados na Câmara Superior em fevereiro, alguns são retornos após pedido de vista. É o caso dos processos 16682.722511/2015-89 e 16682.722510/2015-34, que envolvem a Petrobras e tratam da tributação pelo Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos lucros de empresas controladas ou coligadas no exterior. O julgamento foi interrompido em novembro do ano passado com o placar em 3×3, após pedido de vista do conselheiro Guilherme Mendes.

A tributação dos lucros no exterior foi decidida a favor do contribuinte pela primeira vez em outubro de 2021. Na ocasião, o colegiado aplicou o desempate pró-contribuinte ao julgar o processo 16561.000065/2009-86, da Intercement Brasil S/A.

Em 2022, a turma formou maioria para afastar a tributação em alguns processos, como o 16643.720059/2013-15, da Ambev, e o 16643.720045/2013-00, da Pallas Marsh Serviços Ltda. Outros processos, como o 16561.720090/2014-47, da Mosaic Fertilizantes P&K Ltda., foram decididos com a aplicação do desempate pró-contribuinte.

Ainda na pauta de fevereiro está o processo 10120.720212/2016-70, da Rumo Malha Norte, que discute a possibilidade de amortização de ágio com empresa veículo. O tema vinha sendo decidido na Câmara Superior com a aplicação do desempate pró-contribuinte. Um dos casos mais recentes, julgados em novembro do ano passado, foi o processo 10980.724907/2016-09, envolvendo a ArcelorMittal, ao qual foi aplicada a regra.

Procurado para se manifestar sobre as críticas feitas após a publicação da pauta de fevereiro, o Carf não respondeu até o fechamento desta matéria.

FONTE: JOTA – Por Mariana Branco e Gabriel Shinohara

 

 

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