Espera-se que haja uma melhoria em relação ao sistema atual, que até então encontrava-se baseado em legislações antigas e desatualizadas.
No final de 2022 foram publicadas diversas resoluções do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central do Brasil (Bacen) contendo as novas normas cambiais e de capitais internacionais (capital estrangeiro no Brasil e capitais brasileiros no exterior), de forma a regulamentar a Lei nº 14.286/2021 (i.e. o novo marco cambial).
Dentre as diversas mudanças, algumas têm interesse especial nos seus efeitos tributários. Talvez a mais impactante seja a Resolução BCB nº 277, de 31 de dezembro de 2022, que tratou do mercado de câmbio, da remessa e do ingresso de recursos no país.
Espera-se que haja uma melhoria em relação ao sistema atual, que até então encontrava-se baseado em legislações antigas e desatualizadas.
Atualmente as empresas enfrentam um desafio enorme ao efetuar remessas para o exterior, principalmente por serviços, software e reembolso para empresas do grupo. O desafio se dá em função da complexa tributação incidente nas operações, que, a depender da natureza e fundamentação pode ser zero ou até superar 45% (com IRRF, PIS/Cofins, ISS, Cide e IOF).
Além da complexidade em qualificar tributariamente a operação, isto é interpretar a legislação tributária, os documentos/natureza da transação e definir como pagar os tributos, os contribuintes muitas vezes devem conjugar isso com a interpretação dada à operação pelas instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio, que efetivamente fazem a remessa. Na prática, essa situação se torna ainda pior ante um extenso rol de códigos cambiais que não raro não se adequa à natureza das transações.
Tudo isso acarreta, geralmente, o enquadramento da remessa em códigos genéricos, distantes da realidade contratual e negocial da transação e com tributação superior.
Em meio a esse cenário, a Resolução BCB 277/22 trouxe duas importantes mudanças que podem mitigar parte desses problemas: a) a classificação da operação, que se torna responsabilidade do cliente (i.e. a empresa que contrata a instituição para efetuar a remessa), bem como a previsão de que será da instituição a responsabilidade por avaliar quais informações e documentos comprobatórios deverá requisitar ou dispensar; e b) amplitude menor de códigos para classificação das operações, bem como notas explicativas mais precisas sobre os códigos.
Isso pode ter efeito positivo, reduzindo a burocracia e morosidade enfrentada hoje em dia pelas empresas. E ainda, essas mudanças conferem o direito do cliente eleger a classificação conforme a sua própria interpretação da natureza da remessa (ao invés de simplesmente ser obrigado a aceitar a classificação feita pela instituição) e dão mais oportunidades de enquadramento, em função dos novos códigos.
Por outro lado, embora tenhamos mudanças positivas, a Lei nº 14.286/2021 manteve a previsão de que as remessas para o exterior a título de lucros, dividendos, juros, amortizações, royalties, assistência técnica científica, administrativa e semelhantes dependem de comprovação do pagamento do Imposto de Renda. Ao manter tal previsão, a responsabilidade tributária das instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio permanece.
Atualmente essa regra de responsabilização tributária incentiva os operadores de câmbio a manter interpretações muitas vezes excessivamente conservadoras em torno da classificação das remessas, na busca por categorias com maior pagamento de tributos, mesmo quando isso vá em sentido contrário à real natureza da operação.
Exemplo disso são os reembolsos, que não deveriam ser tributados, mas comumente são classificados como serviços tributados. Da mesma forma, as remessas referentes a licenças de software, principalmente com as aplicações de software as a service (os reembolsos ganham código próprio na nova classificação) também são classificadas erroneamente como remessas de serviços.
Então, uma leitura atenta ao novo modelo de codificação das operações cambiais com o foco tributário será relevante.
Indiretamente, a Lei nº 14.286/2021 alterou algumas normas de dedutibilidade no IRPJ/CSLL de royalties pagos pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação, pelo uso de marcas (de indústria ou comércio) e os pagamentos por assistência técnica, ao deixar de exigir que os referidos contratos sejam registrados no Bacen.
Nas normas até agora em vigor, tais pagamentos, quando feitos a empresas no exterior que detenham controle direto ou indireto da empresa brasileira deveriam ser registrados perante o INPI e o Bacen. Agora, com o fim do registro no Bacen, basta o registro no INPI para a dedutibilidade.
Na mesma linha, em função da mudança na redação do artigo 9º e da revogação dos artigos 10 e 11 da Lei 4.131/1962 pela Lei nº 14.286/2021, os royalties mencionados acima que não sejam pagos a empresas do grupo, e que antes também tinham sua dedutibilidade fiscal vinculada ao registro no Bacen, passam a ser plenamente dedutíveis sem a necessidade do registro, em que pese a ausência de revogação expressa do artigo 71, parágrafo único, alínea “f”, item 1 e alínea “g”, item 1, da Lei nº 4.506/1964.
Existem ainda outros aspectos que podem ter impactos tributários, como a definição do conceito de residente e não residente, a possibilidade de contas no Brasil em moeda estrangeira e o término da exigência de operações simultâneas de câmbio para fins meramente regulatórios.
O fato é que ao longo de 2023, na medida em que ocorra a consolidação das normas, as empresas sentirão os efeitos da nova regulamentação e o que se espera é que haja uma melhoria em relação ao sistema atual, que até então encontrava-se baseado em legislações antigas e desatualizadas.
FONTE: Valor Econômico – Por Bruno Santo e Milton Schivitaro