Decisão está na Solução de Consulta nº 11, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).
A Receita Federal entende que não podem ser abatidos dos pagamentos de contribuição previdenciária os salários pagos a grávidas afastadas do trabalho durante a pandemia de covid-19 pelo risco de contaminação e por estarem impossibilitadas de fazer trabalho remoto. O posicionmento do órgão está na Solução de Consulta nº 11, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit).
A consulta foi feita por uma empresa do ramo de medicina laboratorial, análises clínicas e serviços complementares de diagnósticos. No pedido, ela alega que, em solução de consulta de outubro de 2019, anterior à pandemia, havia liberação para o abatimento.
No texto, de nº 287, a Cosit afirma que se a funcionária não puder realizar o trabalho de forma remota (por meio de teletrabalho ou de outra forma de trabalho a distância), a remuneração deve ser considerada como pagamento de saláriomaternidade, passível de dedução (do valor da remuneração da funcionária gestante) com contribuições previdenciárias devidas pela empresa.
Na resposta ao contribuinte, a Receita afirma, porém, que a solução de consulta anterior trata da impossibilidade de gestantes e lactantes exercerem suas atividades em locais insalubres e não terem possibilidade de realizar trabalho remoto – situação que passa a ser considerada como se fosse gravidez de risco.
Ainda segundo o órgão, Lei nº 14.151, de 2021, editada no contexto da pandemia, trata de tema diferente (afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a pandemia) e não há base legal que permita considerar o valor pago a título de remuneração como salário-maternidade.
O Fisco lembra que o artigo 1º da norma foi alterado pela Lei nº 14.311, de março de 2022, em que foi vetada a previsão de pagamento de salário-maternidade em substituição à remuneração, caso a situação fosse considerada como gravidez de risco, até estar completa a imunização, no caso de trabalho incompatível com a forma remota.
“O presidente da República vetou o dispositivo que permitiria o enquadramento dessas empregadas gestantes (quando inviável a realização do trabalho a distância) como uma das hipóteses legais de concessão do salário-maternidade”, afirma a Receita.
Como a solução de consulta emitida pela Cosit é vinculante para todos os auditores da Receita, a empresa que fez a dedução no momento de pagamento das contribuições previdenciárias corre o risco de ser autuada, segundo a advogada Letícia Sugahara, do Mannrich e Vasconcelos Advogados.
Para a advogada, a impressão é que a Receita fez uma análise mais formalista, apenas analisando a legislação, sem levar em consideração a pandemia. “O afastamento não se deu por mera liberalidade, mas porque a gestante é considerada grupo de risco e não poderia exercer atividade fora de casa.”
Thais Shingai, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, lembra que era difícil para empresas de alguns setores, como da saúde, realocarem profissionais para o home office. “Na prática, em 2021, ocorreram situações em que a empregada grávida não poderia mais trabalhar, foi afastada definitivamente”, diz.
A existência dessas duas soluções de consulta, acrescenta a advogada, mostra uma contradição dentro dos próprios atos da Receita Federal. “São situações equivalentes”, afirma.
Ainda de acordo com a advogada, além de contraditório, é mais um desincentivo à contratação de mulheres, questão que foi motivadora quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade. “Ao onerar a empresa que contrata mulheres há um desincentivo a essa contratação.”
Segundo o advogado Newton Domingueti, do Velloza Advogados, conforme a solução de consulta de 2019, a contrapartida de dedução de contribuição previdenciária era uma forma de proteger a empregada gestante e, ao mesmo tempo, compensar o empregador. “Agora a Receita Federal entende que não há equiparação do salário-maternidade com o salário pago conforme a lei”, afirma ele, acrescentando desconhecer casos sobre o tema levados ao Judiciário.
FONTE: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon — De Brasília