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O CRITÉRIO DO CRÉDITO FÍSICO NO ICMS

20 de dezembro de 2022

Espera-se que o STJ possa apreciar a controvérsia, considerando o conjunto de normas jurídicas que regula a matéria.

Uma das marcas do brasileiro é o culto às práticas e aos modelos estrangeiros. No direito tributário, esse fenômeno também se faz presente, o que se revela, principalmente, pelo costume de se querer incorporar conceitos consagrados na ordem jurídica de outras nações. Na prática, isso não necessariamente é ruim, desde que o objeto que se pretenda importar tenha compatibilidade com o ordenamento do nosso país.

Na verdade, o ponto de partida de todo intérprete do sistema tributário brasileiro deve ser a nossa legislação, por mais exitosa e exuberante que pareça ser a experiência estrangeira. Não se pode lançar mão de uma interpretação de lege ferenda, atribuindo-se ao texto jurídico pátrio não o sentido que ele pode evocar, mas o conteúdo que o leitor gostaria que ele tivesse.

Espera-se que o STJ possa apreciar a controvérsia, considerando o conjunto de normas jurídicas que regula a matéria.

No Brasil, um ilustrativo exemplo dessa inapropriada importação de categorias estrangeiras foi a introdução do chamado critério do crédito físico, para definir o alcance da não cumulatividade do ICMS. Essa terminologia é originária da doutrina francesa e foi concebida considerando um sistema de dedução de tributo até então existente naquele país, antes da instituição do atual imposto sobre valor agregado.

Com base nesse critério normativo, parte da comunidade jurídica passou a defender que o contribuinte somente pode utilizar o crédito do ICMS que incidiu nas compras realizadas, se o bem adquirido mantiver uma relação física com aquele produto que sairá nas vendas que promover.

Essa diretriz da dedução física, na realidade, está incorporada na nossa legislação tributária, mas em relação à não cumulatividade do IPI. Em 1979, foi editado o Parecer Normativo CST nº 65, que assegurou o direito ao crédito do imposto, na aquisição de bens que se integrassem ao produto final e que sofressem alterações em razão da aplicação direta no produto em fabricação.

Atualmente, no Regulamento do IPI, o critério continua contemplado, embora com nova roupagem, tendo em vista que a norma do artigo 226, inciso I, prevê que os estabelecimentos podem se creditar do imposto, na compra de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização.

A exigência da vinculação física entre o produto adquirido e aquele que é posteriormente comercializado, de forma equivocada, passou a ser amplamente aplicada pelos Estados e pelos tribunais, também para definir o espectro de abrangência da regra da não cumulatividade do ICMS, em relação aos insumos utilizados na atividade empresarial.

No entanto, esse parâmetro, atualmente, é incompatível com a materialidade constitucional do imposto e, de igual modo, sequer foi incorporado pela Lei Complementar nº 87/96, que é o diploma normativo que traça as normas gerais do ICMS.

Nos termos do artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, a materialidade do ICMS, além da prestação de serviço de transporte e de comunicação, é a venda de mercadorias. O mesmo texto constitucional, no artigo 155, parágrafo 2º, inciso I, reconhece o direito de o contribuinte se apropriar do crédito relativo ao ICMS que recaiu sobre bens recebidos, para abater do imposto devido nas saídas que promover.

Como a atividade econômica onerada pelo ICMS é principalmente o comércio, que não pressupõe incorporação de matéria à mercadoria, não se pode exigir integração física entre artigo adquirido e o item que será vendido, sob pena de se eleger um critério para operacionalizar a não cumulatividade não previsto na Constituição e incongruente com o próprio fato gerador do imposto.

Esse requisito da agregação física pode ser compatível com o IPI, dada a natureza da atividade da industrialização, que exige um processo de transformação do produto, mas não com o ICMS, que é um tributo que recai sobre os atos de mercancia.

Além disso, a Lei Complementar nº 87/96, ao disciplinar o regime de compensação do ICMS, reforçou o direito de o comerciante obter o crédito do imposto incidente sobre os bens que adquirir, sem exigir elo corpóreo entre os produtos e muito menos que sofram transformação em processo de industrialização.

Tendo em vista que a ordem tributária não estabelece a necessidade de vinculação física entre os bens, não pode o aplicador exigir a presença de requisitos quando o direito assim não os previu, para a geração de crédito de ICMS.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), a quem incumbe uniformizar a interpretação das normas infraconstitucionais, no julgamento dos Embargos de Divergência nº 1723889, que foi retirado da pauta de julgamento do dia 8 de novembro e deverá ser reincluído em breve, terá oportunidade de definir se a aquisição de produtos intermediários assegura direito ao crédito do ICMS ou se é necessária a integração física ao produto final.

Nesse contexto, espera-se que a Corte Superior possa apreciar a controvérsia, considerando o conjunto de normas jurídicas que regula a matéria no país e afastando a aplicação, no que diz respeito ao crédito do ICMS, do chamado critério do crédito físico, que, parafraseando José Eduardo Monteiro de Barros, não passa de um infeliz “arremedo tupiquiquim”.

FONTE: Valor Econômico – Por Túlio Terceiro Neto Parente Miranda

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