Interpretação do Fisco faz ressurgir fantasma do mal perdedor e promete engrossar o volume de litígios tributários com mais disputas.
Com a finalização do julgamento da chamada tese do século (tema nº 69) pelo Supremo Tribunal Federal, reconheceu-se a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS e o direito das empresas recuperarem valores significativos a título de indébito tributário.
Os contribuintes que tiveram o trânsito em julgado das decisões proferidas em suas ações judiciais logo deram início aos procedimentos tendentes à compensação administrativa dos seus indébitos, com a desistência da execução judicial do julgado, apuração dos valores indevidamente pagos e apresentação do competente pedido de habilitação dos créditos.
A partir do deferimento da habilitação iniciaram-se as compensações administrativas, transformando em caixa aqueles valores que já ilustravam positivamente os seus balanços.
Para muitas empresas, aproxima-se o decurso de cinco anos do trânsito em julgado da decisão envolvendo a tese do século, sem que tenham conseguido compensar todos os valores habilitados por ausência de débitos em volume equivalente.
Eis que o fantasma do mal perdedor ressurge, prometendo engrossar o volume de litígios tributários com mais disputas, fazendo jus à vergonhosa posição de maior litigante do país e principal responsável pelo caos no nosso Poder Judiciário.
Trata-se do entendimento construído pela Receita Federal do Brasil de que o contribuinte tem o prazo de cinco anos para compensar administrativamente os seus créditos já habilitados, mesmo que não gere débitos suficientes para absorver o seu crédito compensável.
Frise-se que a discussão não envolve o prazo de cinco anos computados da data do trânsito em julgado da decisão judicial e a apresentação do pedido de habilitação de credito, mas do prazo compreendido entre o trânsito em julgado e apresentação de cada pedido de compensação.
A questão não é nova, mas ganhou relevância por conta dos elevados valores que foram apurados com a referida decisão do Supremo Tribunal Federal.
Para relembrar, a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.717, de 17 de julho de 2017, em seu artigo 103, definiu que a “declaração de compensação de que trata o art. 100 poderá ser apresentada no prazo de 5 (cinco) anos, contado da data do trânsito em julgado da decisão ou da homologação da desistência da execução do título judicial”.
Na mesma linha, o Parecer Normativo nº 11, de 19 de dezembro de 2014, também possuía similar restrição ao definir que “o crédito habilitado pode comportar mais de uma Declaração de Compensação, todas sujeitas ao prazo prescricional de cinco anos do trânsito em julgado da sentença ou da extinção da execução, não havendo interrupção da prescrição em relação ao saldo”.
Este entendimento constou mais recentemente na Solução de Consulta Cosit nº 239 de 19 de agosto de 2019, segundo a qual “não há base legal para que se proceda à compensação além do prazo de cinco anos de que trata o art. 103 da IN RFB no 1717, de 2017. A habilitação do crédito em seu montante integral não garante a entrega de Dcomp além do prazo de cinco anos estabelecido no citado art. 103.”
O mais interessante é que na Solução de Consulta Cosit n. 239, a RFB consta que “o objetivo da consulta é dar segurança jurídica ao sujeito passivo que apresenta à Administração Pública dúvida sobre dispositivo da legislação tributária aplicável a fato determinado, propiciando-lhe correto cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias”.
A verdade é que o entendimento construído faz justamente o contrário, gerando insegurança jurídica calcada em um esforço hermenêutico fazendário pouco sustentável.
Parece obvio que não há inércia quando o contribuinte esteja impossibilitado de efetuar a compensação dos seus créditos por não gerar débitos compensáveis suficientes. A inércia é requisito essencial da prescrição, como reiteradamente vem decidindo o Poder Judiciário em várias situações (STJ, 1ª Seção, Tema 444; STJ, REsp. Nº 822.914; dentre outros).
O fato é que o Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1490602/PR) decidiu que o prazo do art. 168, caput, do Código Tributário Nacional, é para pleitear a compensação, e não para realizá-la integralmente. Ressalta que a verificação da inércia é imprescindível para concluir se o pedido de habilitação foi ou não atingido pela prescrição.
Aos que não conseguirão compensar os seus créditos integralmente nos cinco anos do trânsito em julgado da decisão que os reconheceu, especialmente pela ameaça fazendária consubstanciada em atos infralegais, resta proceder a entrega das declarações de compensação e impetrar um mandado de segurança preventivo para evitar a adoção de inevitáveis atos retaliativos pela velha e má perdedora Fazenda Nacional.
FONTE: Valor Econômico – Por Eduardo Salusse – De São Paulo