Desde abril de 2020, os grandes devedores tributários podem regularizar seus débitos por meio da celebração de Acordo de Transação Individual diretamente com a PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional).
A matéria foi regulamentada pela Lei nº 13.988/2020 e normatizada em diversas portarias que estabeleceram limites máximos de desconto, formas de pagamento e de garantia da transação.
Atualmente, já foram registrados no site da PGFN 40 acordos de transação firmados pela Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da 3ª Região. Destes, 39 estão disponíveis para consulta e, quando analisados individualmente, revelam informações úteis sobre instituto jurídico relativamente novo e que, ao que tudo indica, “chegou para ficar” [1].
O primeiro ponto relevante é o fato de que o número de transações firmadas ainda é muito pequeno. Quando consultamos a lista de devedores da PGFN, apenas na cidade de São Paulo, são encontrados 566.411 registros [2], o que significa que o espaço para utilização do instituto ainda é gigantesco. Acreditamos que a possibilidade de utilização de prejuízo fiscal para amortizar até 70% da dívida líquida após descontos, introduzida pela Lei nº 14.375/2022, promoverá o aumento das tratativas.
Contudo, é importante frisar que, dos termos disponíveis para consulta, em 25 casos foi possível verificar o valor total envolvido, dos quais 12 envolvem montante total de débitos superior a R$ 50 milhões de reais, já com a aplicação de descontos que variaram de 47,72% a 70%. Resumidamente, mesmo sem a possibilidade inicial de utilização de prejuízo fiscal, grandes devedores optaram pela Transação e obtiveram descontos significativos.
Esse é um indicativo claro de que há uma preocupação efetiva da PGFN em vincular o desconto oferecido, que é expressivo, à realidade econômica do contribuinte. É uma mostra, nos parece, da efetividade dos negócios firmados.
Ademais, identificou-se que 12 acordos, 30% do total, foram firmados com empresas em recuperação judicial. Seja porque os benefícios tributários são maiores para essas empresas (dez receberam desconto maior do que 60% e oito delas o desconto máximo de 70%), seja porque o Superior Tribunal de Justiça tem entendido de forma reiterada que os planos de recuperação judicial não podem seguir sem certidão negativa de débitos, parece ser seguro afirmar que o instituto da transação será uma ferramenta importante para o efetivo soerguimento de empresas em dificuldade financeira.
De outro lado, os descontos para dívidas de FGTS tendem a ser menores do que aqueles oferecidos aos débitos previdenciários e demais débitos, não ultrapassando, até o momento, a faixa de 53,59%, em uma negociação onde só foram transacionados débitos desse tipo. Uma justificativa possível para o índice menor no FGTS é a limitação de que só pode ser transacionada a parcela do próprio fundo, e não do trabalhador.
Outro ponto relevante que merece atenção recai na percepção de que, entre os dez acordos firmados com grupos empresariais, dois possuem pessoas físicas como intervenientes anuentes no polo ativo da transação.
No que diz respeito às garantias oferecidas, o que se destaca é a variedade. Foram oferecidos imóveis, aeronaves, veículos, maquinários, plantas industriais, créditos tributários, precatórios e recebíveis oriundos da celebração de contratos de prestação de serviços, inclusive, com o município. Houve a manutenção também de gravames decorrentes de arrolamento de bens, de medidas cautelares e garantias prestadas, valores depositados em execuções e penhoras judiciais.
O valor das garantias varia e alguns termos falam sobre garantias no valor consolidado da dívida sem desconto, outros no valor residual já aplicados os descontos, e outros, inclusive, exigiram garantia com valor superior ao consolidado sem desconto. Além disso, em alguns acordos há a possibilidade de substituição de garantia a qualquer tempo por depósito, fiança bancária ou seguro-garantia.
Como muitos termos utilizam tarjas, não é possível quantificar precisamente quantos se enquadram em cada hipótese, mas parece possível afirmar que as garantias exigidas variam de acordo com o histórico de parcelamentos e o histórico fiscal do contribuinte. Quanto “pior” a relação prévia com o fisco, maior a garantia oferecida.
Quanto ao número de parcelas, ressalta-se que, por previsão constitucional, os débitos previdenciários devem ser pagos em até 60 vezes, mas quatro empresas optaram por pagá-los em menos parcelas. Quanto aos demais débitos, que possuem um limite de 145 meses para pagamento, as parcelas variaram entre 36, 84, 120 e 145 meses, com alteração do valor das parcelas devidas ao longo do período da transação (menores no início e ao final e maiores ao meio).
Curiosamente, dois proponentes optaram pelo pagamento à vista. Aparentemente, porém, não lhes foram concedidos benefício específico, pois os descontos não ultrapassaram 50%.
A transação individual é um instituto relativamente novo no cenário tributário brasileiro. Se por um lado já é possível perceber a eficácia nos acordos celebrados de forma muito particular e específica para cada contribuinte, não há dúvida que, por outro, consolidar-se-á ainda mais com o tempo, proporcionando aos contribuintes mais confiança para seguirem com essa modalidade de regularização de débitos, já que é possível verificar padrões nas exigências da PGFN que minimizam as dúvidas sobre sua efetividade.
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[1] Acordos disponíveis para consulta em https://www.gov.br/pgfn/pt-br/assuntos/divida-ativa-da-uniao/painel-dos-parcelamentos/termos-de-transacao-individual. Último acesso em 4/11/2022, às 17h55.
[2] Consulta à lista de devedores realizada em https://www.listadevedores.pgfn.gov.br/resultado. Último acesso em 4/11/2022, às 18h14.
FONTE: Conjur – Por Bárbara Pommê Gama e Karina Camilo Lopes