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TRIBUTAÇÃO VERSUS INFLAÇÃO

6 de dezembro de 2022

O deliberado desprezo à inflação pelo legislador configura franca violação ao princípio da capacidade contributiva.

A legislação tributária prevê determinados parâmetros de valor que, embora referenciados no passado, são empregados para mensuração da obrigação tributária no presente. Assim, em que pese a acelerada corrosão da moeda, o contribuinte, sempre em seu prejuízo, deve aplicar para a atualidade, sem qualquer atualização monetária, valores que foram fixados anos atrás.

A título de exemplo, o valor excedente para fins de incidência do adicional do IRPJ foi estabelecido, em 1996, no importe de R$ 20 mil e nunca foi corrigido, acarretando, no atual momento, defasagem de mais de 370%. Na verdade, a cada ano que se passa, a alíquota decorrente do adicional de IRPJ (25%) passa a incidir sobre parcela maior do lucro apurado pelo contribuinte, em verdadeira regressividade fiscal, desnaturando o critério de progressividade previsto constitucionalmente (artigo 153, parágrafo 2º, I).

“O deliberado desprezo à inflação pelo legislador configura violação ao princípio da capacidade contributiva”

É a mesma lógica em relação à tabela de faixas de incidência do IRPF que já acumula defasagem de 147,37%, em nítida e crescente violação ao princípio da capacidade contributiva. E apesar de a educação se tratar de direito fundamental do cidadão (artigos 6º, 196 e 205, CF/88), o limite de dedução com despesas para tal finalidade, desde o seu último reajuste, encontra-se defasado em cerca de 230%.

De igual forma, quando o contribuinte investe seu capital em um bem móvel ou imóvel e este é levado a venda, sem a devida correção do valor histórico de aquisição, não se tributa apenas a variação do valor de mercado ou o ganho de capital auferido, mas também a inflação da moeda que, definitivamente, não constitui base de incidência do Imposto de Renda.

Como se sabe, em um país que sofre para controlar a inflação – e que, inclusive, vivenciou períodos de hiperinflação -, a desvalorização da moeda não pode ser desprezada porque, “por representar o aumento persistente e generalizado do nível de preços, distorce, no tempo, a correspondência entre valores real e nominal” (RE 870947/SE, STF).

Ora, é inegável que a ausência de correção monetária dos parâmetros de valor previstos na legislação tributária caracteriza disfarçada majoração da carga tributária sem a necessária instituição de lei, o que é vedado pela Carta Magna (artigo 150, I). No mesmo sentido, o deliberado desprezo à inflação pelo legislador configura franca violação ao princípio da capacidade contributiva que impede a tributação dissociada do valor econômico real do patrimônio do contribuinte (artigo 145, parágrafo 2º). Em última análise, vislumbra-se o confisco do patrimônio do contribuinte e o enriquecimento sem causa do Estado.

Apesar da aparente manifesta violação a preceitos claros da Carta Magna, não existe omissão apenas por parte do Poder Legislativo. No âmbito dos tribunais superiores, parece firme a posição de que “a correção monetária, em matéria fiscal, é sempre dependente de lei que a preveja, não sendo facultado ao Poder Judiciário aplicá-la onde a lei não determina, sob pena de substituir-se ao legislador” (v.g., RE 234003/RS).

No julgamento do RE 388312, em 1 de agosto de 2011, que tratou da correção monetária da tabela do IRPF, sagrou vencedora a tese, constante do voto vista da ministra Cármen Lúcia, de que a omissão do legislador deve “ficar sujeita apenas ao princípio da responsabilidade política, traduzido principalmente na aprovação ou rejeição dos atos de governo nos julgamentos ulteriores do eleitorado”. A jurisprudência firmada, a partir desse precedente, culminou na negativa monocrática ao seguimento da ADI 5096, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB (CFOAB), que tratava do mesmo tema.

A mesma posição foi adotada, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em relação à incidência de IRPJ e CSLL sobre variações patrimoniais, em operações financeiras, oriundas de atualização monetária (AgInt no REsp 1660363/SC), estando, entretanto, tal controvérsia afetada, sob a sistemática dos recursos representativos (Tema nº 1160), ainda sem julgamento de mérito (já afastada a repercussão geral – Tema nº 1168/STF).

De outro lado, quanto ao reajuste do valor de aquisição para fins de ganho de capital, o Tribunal da Cidadania manteve o mesmo entendimento de que a correção monetária é matéria sujeita à reserva legal (REsp 1469545/SC), tema que, até o momento, não foi afetado para julgamento pelo rito dos recursos repetitivos.

Por fim, ainda está pendente de julgamento a ADI 7221/DF, ajuizada pelo CFOAB, que trata da atualização da base de incidência do adicional de IRPJ.

É importante registrar que, em sentido aparentemente contrário à posição jurisprudencial conservadora dos tribunais superiores, a própria Corte Suprema, ainda que com base na garantia fundamental de isonomia, em sede de repercussão geral (RE 870947/SE), substituiu o índice de correção monetária que foi fixado pelo legislador (TR), por não refletir a inflação, nas condenações impostas à Fazenda Pública.

Ora, de fato, “a moeda não pode ter duas faces, distinguindo-se a dívida ativa da União das obrigações que a geram” (ministro Marco Aurélio, voto vencido, RE 388312), não sendo concebível o seletivo congelamento dos parâmetros de valor apenas em detrimento do contribuinte.

Portanto, considerando a pendência de julgamento de importantes leading cases (p. ex., Tema nº 1160/STJ e ADI 7221/DF), é de extrema importância que a advocacia continue militando na defesa dos preceitos constitucionais que protegem o contribuinte quanto à tributação desmedida em negligência aos efeitos da desvalorização da moeda.

FONTE: Valor Econômico – Por Thomas Marcos Franco Alves Rocha

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