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EC Nº 125/22 E A COMPETÊNCIA DO STJ

16 de agosto de 2022

A restrição de competência do STJ trazida pela EC nº 125 ainda foi tímida, se comparada com outros países.

A Constituição de 1988 previu a criação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), para que fosse repartida a competência entre duas Cortes de cúpula, de modo a permitir que o Supremo Tribunal Federal (STF) fosse desafogado da atribuição de exame de todos os recursos extraordinários e ações de competência originária que lá desaguavam até 1988. Assim, em 1989, instituiu-se o STJ, com a competência para enfrentar predominantemente as questões infraconstitucionais, reservando-se ao STF a análise das questões constitucionais.

Além disso, conforme artigo 104 da Constituição, o STJ é formado por, no mínimo, 33 ministros, ao passo que o STF manteve a composição de 11 juízes que, até 1989, julgavam todas as demandas destinadas ao tribunal de cúpula.

A restrição de competência do STJ trazida pela EC nº 125 ainda foi tímida, se comparada com outros países.

O crescimento exponencial do número de ações e recursos demonstrou que a criação de uma nova Corte, composta por mais de 33 julgadores, não foi suficiente para evitar o abarrotamento das prateleiras – físicas e virtuais – dos tribunais superiores. Para se ter uma ideia da dimensão dos números, apenas no primeiro semestre de 2022, o STJ recebeu 208.119 casos novos e julgou 296.224 processos.

Comumente se escuta a comparação – equivocada, a meu ver – entre o número de casos julgados no STF e no STJ com a Suprema Corte americana ou o BVerfG alemão. A quantidade de casos examinados pelas Cortes superiores brasileiras decorre de uma opção eminentemente legislativa. Diferentemente do que ocorre em outros países, a competência do STF e do STJ, estabelecida pelo legislador constituinte, é vastíssima. Os artigos 102 e 105 da Constituição elencam nada mais nada menos que 37 alíneas contendo mais de 50 hipóteses que permitem acessar STF e STJ, seja por ações de competência originária, seja por recursos ordinários ou por recursos extraordinários. A sobrecarga que atinge e aflige os tribunais superiores e põe em risco a adequada prestação jurisdicional decorre, principalmente, dessa extensa competência prevista na Constituição.

A excessiva quantidade de processos que chegam aos tribunais superiores vem sendo combatida há muitos anos. Depois da noticiada criação do STJ, em 1989, foram instituídos o filtro da “repercussão geral” em 2004, o método de julgamento de recursos repetitivos em 2006 (aprimorada pelo CPC de 2015) e o sistema de precedentes vinculantes em 2015. Ademais, com a ampliação dos poderes do relator, que se deu em 1998, o número de decisões monocráticas aumentou vertiginosamente, relegando a análise colegiada para uma minoria de casos e, consequentemente, tornando mais rápido o exame das causas.

Agora, pela Emenda Constitucional (EC) nº 125 de 2022, exige-se da parte que almeja levar ao STJ uma pretensão pela via do recurso especial a demonstração da relevância da questão federal discutida. A exemplo do que aconteceu no Supremo, com a imposição de comprovação da repercussão geral, a EC 125 reduz a competência do STJ, impedindo-o de examinar causas “não relevantes”, e cria uma hierarquia entre as questões infraconstitucionais, dividindo-as entre aquelas que merecem ser amparadas pelo STJ e aquelas que, embora violadas, não poderão ser

levadas à Corte para o oferecimento da devida proteção.

O STJ passou a ter competência apenas para examinar as questões federais tidas como “relevantes”, não sendo qualquer infração à norma infraconstitucional capaz de permitir a interposição de recurso especial.

A redação do recém-criado parágrafo 2º do artigo 105 da Constituição traz elevada carga de subjetividade, não indicando o que caracterizaria a relevância da questão federal. Por outro lado, no parágrafo 3º do mesmo dispositivo, o legislador cuidou de arrolar objetivamente hipóteses em que há presunção de relevância: ações penais, ações de improbidade administrativa, ações cujo valor da causa ultrapasse 500 salários mínimos, ações que possam gerar inelegibilidade, hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do STJ e outras hipóteses previstas em lei.

Não obstante a EC 125 tenha aberto a brecha para que o legislador infraconstitucional preveja outras hipóteses em que se presumirá a relevância da questão federal, parece-me possível, pela redação do artigo 105, parágrafo 2º da Constituição, que o recorrente demonstre casuisticamente a relevância da questão discutida em seu recurso, conquanto seu processo não se enquadre em nenhuma das situações previstas no parágrafo 3º. Em outras palavras, a EC 125 previu uma exigência geral de relevância a ser demonstrada pelo recorrente e aferível subjetivamente em cada caso, e uma lista de hipóteses em que a relevância é presumida, de modo objetivo.

A restrição de competência do STJ trazida pela EC 125 ainda foi tímida, se comparada com outros países, nos quais os tribunais de cúpula examinam poucos casos ao ano. Uma redução mais ampla da competência prevista na Constituição ainda esbarra em questões culturais, na necessidade de uniformização de entendimentos gerados em um país tão extenso e heterogêneo como o nosso e na busca de aplicação dos precedentes vinculantes emanados nos tribunais superiores, em casos de recalcitrância das Cortes locais.

Diogo Rezende de Almeida é sócio do Galdino & Coelho Advogados, professor de Direito Processual da FGV Direito Rio, Doutor e Mestre em Direito pela UERJ.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: Valor Econômico- Por Diogo Rezende de Almeida

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