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UM MAR DE OPORTUNIDADES

2 de junho de 2022

Para que os investidores de ativos da massa falida possam estar de fato protegidos, é essencial que certos cuidados sejam tomados, sob pena de o “barato sair caro”.

Poucos termos no Direito despertam tanto temor quanto a palavra “falência”. Unanimemente temida por quem deve e por quem cobra, a falência sempre foi vista como algo a ser evitado a todo custo. Para empresários, sempre representou verdadeira “morte civil” – que, mais do que apenas escancarar a falha de seu empreendimento atual, deixaria um estigma perpétuo que inviabilizaria qualquer empreendimento futuro. Para advogados e juízes, era um processo longo, complexo, ineficiente, com muito trabalho e pouco retorno. Para credores, ainda pior: representava verdadeiro atestado de óbito dos seus créditos.

A burocracia inerente ao processo, aliada à crescente “flexibilização” das regras de respeito à personalidade jurídica em algumas instâncias do Judiciário, transformava a aquisição de bens em falências em verdadeira atividade de risco. Os investidores entravam nos processos sem saber quando, e nem mesmo se teriam algum sucesso; e, mesmo se tivessem, sem saber que tipo de passivo herdariam junto com o ativo adquirido. O procedimento era moroso, as informações escassas, e a segurança jurídica praticamente inexistente.

Para que os investidores de ativos da massa falida possam estar de fato protegidos, é essencial que certos cuidados sejam tomados.

Essa infeliz conjuntura de fatores retroalimentáveis, quando não afastava completamente qualquer interessado na aquisição dos ativos, reduzia praticamente a pó o valor daqueles que, em raras ocasiões, chegavam a ser vendidos. Além da perda de valor para o devedor e seus credores, os ativos acabavam ficando presos no processo por longos anos e, quando não se deterioravam ou se tornavam obsoletos, permaneciam alijados da atividade produtiva, causando grande prejuízo social.

No início de 2021, a Lei de Falências passou por uma profunda e aguardada reforma, que, entre seus principais pontos, tentou tornar o procedimento de falência mais rápido e eficiente, por meio da eliminação de entraves burocráticos e do estímulo à venda célere dos ativos. E é aqui que investidores mais destemidos encontrarão excelentes oportunidades, desde que saibam como navegar nesse novo mar.

A reforma de 2021 deixou clara sua opção pela venda rápida dos ativos – ainda que com algum sacrifício de valor. Para isso, impôs aos administradores judiciais a obrigação de vender os ativos arrecadados em até 180 dias, sob pena até mesmo de destituição, que só não ocorre se a falha for muito bem justificada. A regra tende a criar pressão de venda de ativos recém-arrecadados em falências, não obsoletos e em bom estado de conservação, aumentando sua oferta.

Mas a reforma também se preocupou em estimular a demanda por esses ativos, de três formas: tornando a aquisição mais segura para o investidor (blindando a sucessão de passivos de qualquer natureza); impedindo que a aquisição de boa-fé seja desfeita por decisão judicial posterior ao pagamento; e retirando limites mínimos ao preço de venda em relação ao valor de avaliação.

Esse último ponto é de especial interesse. A lei prevê que as vendas de ativos em falências não estarão sujeitas à aplicação do conceito de “preço vil” – que, em geral, impede que bens sejam vendidos judicialmente por preços inferiores a 50% do valor de avaliação. Esse é, provavelmente, o maior incentivo a que as vendas ocorram de forma célere, já que qualquer obstáculo (prático ou jurídico) poderá ser simplesmente compensado por meio da redução do preço pago pelo comprador, sem limites mínimos.

Assim, a tendência é de que bens de empresas falidas, funcionais e em bom estado, sejam oferecidos ao mercado por administradores judiciais ansiosos para vendê-los rapidamente – e dispostos, para tanto, a conceder grandes descontos. O cenário é convidativo, mas é preciso cautela.

Ao mesmo tempo em que estimulou a venda rápida, a reforma manteve muitas exigências. Há vários procedimentos de venda possíveis, que exigem publicações de editais, apresentação de propostas, concessão de prazos, obtenção de autorizações judiciais, e por vezes até aprovação dos credores. Além da complexidade dos procedimentos de venda, deve-se considerar que a maioria das falências do país não tramita por varas especializadas, o que faz com que muitos vícios acabem passando despercebidos pelos próprios juízes – tornando-se, no futuro, potencial fonte de problemas ao investidor.

Para que os investidores possam estar de fato protegidos, é essencial que certos cuidados sejam tomados – sob pena de o “barato sair caro”. No entanto, uma postura legalista e intransigente também não será produtiva, já que poderá tornar a proposta de compra pouco atraente e ocasionar a perda de boas oportunidades.

Mais do que apenas identificar potenciais problemas, o investidor e seus assessores jurídicos devem ser capazes de sugerir adaptações e soluções criativas no curso do procedimento, alinhadas com a lei e capazes de serem compreendidas e implementadas pelo juiz, pelo administrador judicial, e pelos credores. Como quase tudo na vida, o sucesso derivará de um equilíbrio entre cautela e criatividade, de forma a efetivar a aquisição dos ativos com segurança, mas sem gerar custos e óbices desnecessários.

O cenário que se avizinha é muito interessante, principalmente para investidores institucionais dispostos a variar seu modus operandi e diversificar sua carteira de ativos. As oportunidades são muitas, e os tesouros podem estar onde menos se espera. Mas os perigos da jornada não são poucos – e nem sempre estão à vista. A quem quiser se aventurar, que tenha ousadia, mas sem perder a cautela.

FONTE: Valor Econômico – Por Thiago Dias Costa

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