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IMPOSTO DE RENDA NA DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA

17 de maio de 2022

Nota-se um tratamento nitidamente desigual e prejudicial dado aos proprietários de terras produtivas.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá discutir mais uma nuance do artigo 184, parágrafo 5º, da Constituição Federal, que assegura imunidade de impostos às operações de desapropriação para fins de reforma agrária. Trata-se de desapropriações de imóveis rurais pela impossibilidade do pleno exercício de propriedade, os quais acabam sendo adquiridos pelo Incra e utilizados no programa de reforma agrária.

Desde já deve ser esclarecido que não é objetivo deste artigo avaliar a legitimidade dos movimentos e articulações sociais, mas evidenciar uma violação da justiça fiscal, por parte da União. Não se discute, portanto, os direitos de trabalhadores sem-terra e outras formas de articulação, mas a exigência de Imposto de Renda em eventual ganho de capital na chamada “desapropriação indireta” (também outrora conhecida como “desapropriação branca”, apesar das polêmicas em torno da expressão).

Nota-se um tratamento nitidamente desigual e prejudicial dado aos proprietários de terras produtivas.

A distribuição de terras no Brasil é um problema social conhecido de longa data. Diversos movimentos de trabalhadores promovem incursões em propriedades rurais, notadamente em áreas longínquas, com o objeto de assentar famílias e ali estabelecer uma comunidade de subsistência. Os movimentos são organizados e coordenados dentro de uma estrutura própria de direção e de normatização. São, portanto, ações coordenadas e direcionadas com o propósito próprio do movimento social.

A Carta da República, no artigo 184, prevê que compete à União desapropriar, por interesse social para fins de reforma agrária, imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização. O parágrafo 5º do dispositivo imuniza de impostos a operação de desapropriação. Significa dizer que o proprietário de terra improdutiva (sujeita à desapropriação), que tenha o seu imóvel desapropriado e eventualmente apure ganho de capital quando do recebimento da indenização, não deverá recolher Imposto de Renda sobre esse ganho.

Ocorre que há situações em que os movimentos sociais resultam em incursões em propriedades rurais produtivas, portanto não sujeitas à desapropriação ordinária. Esses casos despertam a atenção do Incra, que promove uma vistoria no local, com o objetivo de obter dados para que o imóvel possa ser destinado à reforma agrária.

Constatada a impossibilidade de desapropriação, em razão de a terra ser caracterizada como produtiva, o único meio de acesso à propriedade rural para fins de reforma agrária, pelo Incra, que garanta uma justa indenização ao proprietário, é a compra e venda, conforme previsão contida no Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964).

Cientes dessa possibilidade, os colonos articulam a aquisição da propriedade produtiva pela autarquia, promovendo constantes incursões e pressionando os proprietários a alienarem suas terras, para que sejam inseridas no programa de reforma agrária. Há cenários em que sequer o poder público pode dar solução ao caso, haja vista a precariedade de estrutura estatal em diversos locais do país, o que impossibilita a reintegração da posse da terra ou um acordo amigável entre os movimentos sociais e os proprietários de terra.

Há diversos relatos na imprensa de famílias que ocuparam fazendas para pressionar o Incra a promover o processo de aquisição da área para reforma agrária. Alguns líderes desses movimentos sociais entendem a incursão como única forma de chamar a atenção das autoridades e da imprensa para as reivindicações por reforma agrária.

Esses casos são comumente chamados de “desapropriação indireta”. O termo é utilizado para designar a operação de alienação de propriedade rural produtiva ao Incra, quando os proprietários sofrem pressão de movimentos sociais, suficiente para inviabilizar o exercício do direito de propriedade, sendo instados, portanto, a alienar o imóvel, sob indenização apurada em laudo de vistoria unilateralmente produzido pela autarquia.

Comparada à desapropriação ordinária, que ocorre em relação às terras improdutivas, nota-se um tratamento nitidamente desigual e prejudicial dado aos proprietários de terras produtivas que sofrem “desapropriação indireta”. Enquanto a autoridade fiscal federal assegura a imunidade no ganho de capital decorrente da desapropriação ordinária, entende, por outro lado, pela não incidência da regra quando o ganho de capital é fruto de alienação de terra ao Incra, ainda que sob o contexto relatado acima.

Prevalecendo o entendimento da União, o ganho de capital decorrente da justa indenização pela desapropriação de terras improdutivas é imune ao Imposto de Renda, enquanto os proprietários de terras produtivas são penalizados por essa condição, na medida em que por turbulências sociais, não vêm saída senão a venda do imóvel ao Incra, cujo ganho de capital será tributado.

Nessa toada, cumpre ao Supremo Tribunal Federal, enquanto garantidor da racionalidade prática da imunidade, assegurar a sua finalidade, com o objetivo de evitar o esvaziamento da norma. Espera-se da Suprema Corte a mesma postura finalística dispensada em outros casos sobre extensão de imunidade constitucional, tal como no reconhecimento da imunidade de livros eletrônicos ou em relação às contribuições sociais sobre as receitas decorrentes de exportação intermediada por empresas comerciais exportadoras.

FONTE: Valor Econômico – Por Bruno Teixeira e Erlan Valverde

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