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TRIBUTÁRIO. MOROSIDADE E DESIGUALDADE MARCAM CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO FISCAL

4 de maio de 2022

Dados estão no ‘Diagnóstico do Contencioso Tributário Administrativo’, pesquisa da ABJ com a Receita e o BID.

A morosidade, a falta de acessibilidade, de transparência, de diálogo com o contribuinte e de uniformidade na legislação e procedimentos estão entre os principais problemas do contencioso tributário administrativo no Brasil. Os dados estão no Diagnóstico do Contencioso Tributário Administrativo, pesquisa da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) com a participação da Receita Federal e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

O estudo analisou mais de 400 mil processos que tramitam na administração tributária federal, estadual e municipal. Os dados incluem o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), as DRJs e órgãos julgadores do contencioso administrativo tributário estaduais e municipais. Os pesquisadores ainda aplicaram questionários a 150 participantes, entre representantes da academia, contribuintes e fisco, em 17 unidades da federação.

Os resultados foram apresentados na última quarta-feira (27/04) em seminário do BID e da Receita Federal. Entre as principais informações, a pesquisa revelou que, quando chegam às instâncias superiores da esfera administrativa, os processos ainda levam mais de 55% do tempo de tramitação nas instâncias inferiores para serem concluídos.

Como forma de diminuir a demora, os pesquisadores sugeriram que os órgãos considerem a possibilidade de aplicação do incidente de resolução de demandas repetitivas, previsto no artigo 976 do novo Código de Processo Civil, adaptado ao processo administrativo fiscal. Durante o seminário, porém, a presidente do Carf, Adriana Gomes Rêgo, mostrou dúvidas de que a solução seria adequada no âmbito administrativo.

“Acho que [o incidente] teve grande êxito no processo judicial, mas é preciso sopesar outros valores e mecanismos que porventura haja nos estados e no próprio Carf. Em termos de segurança jurídica, as súmulas representam, no mínimo, cinco decisões, e a resolução de demandas repetitivas vai representar uma única decisão, que vai tornar definitiva a vinculação de toda a administração tributária”, comentou.

No Carf não é realizado o julgamento de recursos repetitivos ou com repercussão geral, como fazem o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Os conselheiros, no entanto, muitas vezes julgam processos com o mesmo tema em bloco, replicando o resultado de um para os demais.

Recursos de ofício

Os dados ainda indicam que, quando há recurso de ofício (pedido obrigatório do fisco de revisão da decisão de primeira instância, em casos com valores a partir de R$ 2,5 milhões), em 90% dos casos a decisão inicial é mantida.

Segundo Gisele Bossa, pesquisadora da ABJ, ex-conselheira do Carf e sócia tributária do Demarest, o dado não indica, necessariamente, que é necessário eliminar os recursos de ofício para dar maior celeridade aos processos. Para ela, a informação sinaliza a necessidade de análise da pertinência do instrumento e, caso se decida pela permanência, de estudar formas de aprimorá-lo.

“O critério [para o recurso de ofício] é exclusivamente valorativo. Será que o critério de valor não deixa de capturar excelentes teses de direito?”, questiona. Ela também afirmou que a manutenção de mais de 90% das decisões em recursos de ofício no Carf permite inferir que as DRJs tomam decisões favoráveis ao contribuinte. No entanto, a quantidade das decisões favoráveis ao fisco e ao contribuinte na primeira instância é desconhecida.

Faltam dados

Segundo a pesquisadora, o levantamento trouxe dados que permitem inferir a especialização e a relevância das instâncias recursais administrativas, como o fato de que 92,3% das decisões do Carf em sede de recurso voluntário adentram o mérito da discussão, o mesmo se dando com 86,5% das decisões em sede de recursos de ofício. A relação entre discussão de mérito e especialização é que, em tese, instâncias mais especializadas estão mais aptas a discutir o mérito do processo, pela maior qualificação dos julgadores.

No entanto, segundo Gisele Bossa, a ausência de informações como a quantidade de recursos ao Carf após decisão da DRJ e o número de contribuintes que levam o processo à Justiça após decisão no conselho impede uma análise mais efetiva da eficácia do processo administrativo fiscal. “Em última análise, isso [processo administrativo] vai desembocar no Judiciário, mas a gente não sabe em que medida o contribuinte se conformou com o processo administrativo posto, seja ele municipal, estadual ou federal”.

IRPF

A pesquisa também revelou que os tributos que geram maior arrecadação não são os principais responsáveis pelo litígio. Enquanto PIS, Cofins e IRPJ, responsáveis por quase 60% da arrecadação federal, correspondem a 30% do volume processual no litígio administrativo, o IRPF, que corresponde a apenas 4,8% da arrecadação, responde por quase 20% do volume de processos.

“A questão do IRPF é um indicador bem significativo da medida de litigiosidade. Mostra a necessidade de uma Secretaria da Fazenda cidadã, que abra os procedimentos, facilite o contato e tenha a função de instruir. Essa relação entre fisco e contribuinte deveria ser pautada por confiança”, comenta Gisele Bossa.

Desigualdade

Outro dado da pesquisa indica a desigualdade na proporção de julgadores do contencioso tributário administrativo conforme a localidade. Enquanto São Paulo, maior cidade do país, tem 2,92 julgadores por milhão de habitantes, Belo Horizonte tem 14,28 julgadores por milhão de habitantes. Já a União, com 0,85 julgadores por milhão de habitantes, tem uma proporção inferior à dos estados do Rio de Janeiro (0,92 por milhão de habitantes) e São Paulo (1,04 por milhão de habitantes).

A desigualdade não está só no número de julgadores, mas também na legislação fiscal. Para 71% dos respondentes da pesquisa, o federalismo fiscal contribui para a insegurança jurídica em matéria tributária, potencializando o conflito de competências e a guerra fiscal.

Com relação aos ritos procedimentais dos órgãos julgadores administrativos, os achados do estudo indicam que as várias leis existentes mais se harmonizam do que divergem do decreto 70.235/1972, legislação de referência do Processo Administrativo Fiscal (PAF). A análise mostrou convergência superior a 66,7%. Ainda assim, os pesquisadores consideraram que os sistemas processuais dos entes federados divergem do regime federal em vários aspectos, o que aumenta a complexidade do sistema para o contribuinte.

Como solução para as desigualdades no contencioso administrativo, os pesquisadores propuseram a definição de parâmetros nacionais para que os órgãos julgadores exerçam suas funções com bases minimamente padronizadas, conforme critérios a serem acordados entre os entes federativos para que os contribuintes tenham atendimento similar em todo o território nacional. Foi proposta, ainda, a criação de uma Norma Geral do Processo Administrativo Tributário mediante lei complementar.

FONTE: Jota. Por Mariana Branco – De Brasília

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