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LIMITES DA NOVA LEI DE FRANQUIAS

15 de março de 2022

A Lei nº 13.966/2019 inovou ao reconhecer expressamente que não há vínculo de emprego ou relação de consumo entre franqueador e franqueado.

O modelo de franquias surgiu nos Estados Unidos nos anos 1950 e desembarcou no Brasil a partir da década de 1990 na esteira da globalização, sob os arcos dourados do McDonald’s e diversas outras marcas famosas, mudando para sempre a paisagem urbana e o dia a dia dos brasileiros. O contrato de franquia pode assumir formatos incrivelmente sofisticados, combinando múltiplos aspectos jurídicos, e a despeito de estar consolidado no país há décadas, ainda há, até hoje, focos de incompreensão quanto ao modelo.

Perto de completar dois anos de vigência, a nova Lei de Franquias (Lei nº 13.966/2019) trouxe avanços para o setor, mas não foi suficiente para debelar alguns problemas. Ainda é preciso levar aos operadores do sistema jurídico uma compreensão mais profunda sobre a natureza multidimensional dos contratos de franquia. Uma interpretação fragmentada desse tipo de contrato, isolando aspectos parciais da relação, pode levar a conclusões equivocadas, o que pode, no limite, comprometer um instrumento jurídico-econômico de grande relevância para a geração de emprego e renda no país.

A lei inovou ao reconhecer que não há vínculo de emprego ou relação de consumo entre franqueador e franqueado.

Por meio do contrato de franquia uma empresa tem a possibilidade de ampliar seus canais de distribuição de bens e serviços de forma rápida, sem necessidade de grande aporte de capital na instalação de novas unidades. O empresário franqueado, por sua vez, tem maior facilidade para empreender, uma vez que parte de bases mais estáveis, recebendo de antemão informações essenciais sobre o mercado e o negócio, incorporando marcas, produtos e processos já testados e aprovados, o que reduz o risco e aumenta a chance de êxito do negócio.

O sistema de franquia tem como princípio a cessão do direto ao uso de ativos intangíveis, como marcas e processos, sem que isso constitua relação de consumo ou vínculo empregatício. É ausente vínculo jurídico societário ou de qualquer outra espécie entre as partes: a franqueada não é filial ou sucursal da franqueadora, possui registro próprio, autonomia jurídica e financeira. O que há é uma relação contratual no contexto do direito civil.

O contrato de franquia possibilita a colaboração econômica entre empresas independentes que dispõem, respectivamente, da técnica e dos meios materiais necessários para se comercializar produtos ou serviços. Nessa relação, a Lei de Franquias é explícita ao assegurar que a franqueada conheça profundamente o conteúdo do negócio realizado entre as partes, fazendo com que a troca seja pautada por disposições claras e detalhadas de direitos e obrigações.

Franqueadora e franqueada são ambas sociedades empresárias atuando de forma simbiótica. Não há subordinação ou sobreposição, mas sim um complexo de direitos e deveres que possibilitam o alcance de um objetivo comum. A franquia empresarial é uma figura que amarra diversos contratos e relações jurídicas, sendo por vezes descrita como um “sistema”. O jurista Fabio Ulhoa Coelho identifica a combinação de três tipos de negócios jurídicos na franquia: (1) contrato de “engineering”, referente a aspectos físicos de projeto e layout do estabelecimento; (2) contrato de “management”, relativo a treinamento e administração do negócio; e (3) contrato de “marketing”, referente à colocação dos produtos, definição de mercado, publicidade, vendas, lançamentos etc.

Dada a complexidade desse tipo de contrato, podem surgir conflitos, o que exige a compreensão do negócio em sua integralidade. Uma interpretação delimitada a pontos específicos pode isolar aspectos que mantém alguma similaridade com relações econômicas de outra natureza. Esse mesmo elemento, visto de forma sistêmica, pode ser compreendido como integrante de um relacionamento empresarial de natureza múltipla.

Nessa linha, a Lei nº 13.966/2019 inovou ao reconhecer expressamente que não há vínculo de emprego ou relação de consumo entre franqueador e franqueado. Ainda que tal cuidado não tenha sido tomado pelo legislador da Lei de Franquias de 1994, a própria natureza conceitual da franquia já fornece elementos que permitem ver a ausência de relações desse tipo.

No caso específico do contrato de trabalho, temos que seu objeto é a prestação pessoal do trabalho humano por uma pessoa a outra, de forma não eventual, mediante subordinação e com direito a salário. O contrato de franquia, por sua vez, destina-se à concessão condicionada de bens, produtos, serviços e direitos; envolve treinamento, assistência técnica e condições para a utilização de marcas. Envolve também certo grau de ingerência do franqueador sobre as atividades do franqueado. É preciso observar que o franqueado, embora um empresário independente e autônomo, deve seguir normas mínimas de qualidade e se adequar a padrões de venda e prestação de serviços previamente determinados pelo franqueador.

Não custa relembrar que um empreendedor adquire uma franquia justamente por reconhecer nessa marca e métodos comerciais uma chance de chegar a um negócio vencedor. Com todas as suas peculiaridades, o vínculo entre franqueador e franqueado é de parceria, conservando cada empresário a sua individualidade jurídica e assumindo cada um deles seus riscos na consecução da atividade empresarial. A franquia, em suma, nada mais é do que um método de colaboração entre empresários.

FONTE: Valor Econômico – Por Martha Macedo Sittoni e Sabrina Raabe de Sá

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