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ISS DAS SOCIEDADES UNIPROFISSIONAIS E A ISONOMIA

2 de março de 2022

Até na leiga percepção de qualquer não-jurista de bom senso, há uma flagrante violação ao princípio constitucional.

Em uma obra bem curta, mas de denso teor, Celso Antônio Bandeira de Mello busca dissecar o “conteúdo jurídico do princípio da igualdade” (é este o nome da obra), tentando definir critérios objetivos para entender quem são os iguais e quem são os desiguais à luz do ordenamento jurídico.

Não estamos tratando do pensamento psicanalítico ou filosofal de que cada pessoa é única, incomparável e apenas igual a si própria. Trata-se da isonomia como princípio de direito constitucional, admitindo-se discriminações de tratamento de acordo com critérios discriminatórios legalmente aceitos.

Nesta toada é que referido autor entende que para que um discrímen legal seja convivente com a isonomia, impende que concorram quatro elementos:

a. a desequiparação não atinja de modo atual e absoluto um só individuo;

b. as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de direito sejam efetivamente distintas entre si, vale dizer, possuam características, traços, nela residentes, diferenciados;

c. exista, em abstrato, uma correlação lógica entre os fatos diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles, estabelecida pela ordem jurídica; e

4.d. in concreto, o vínculo de correlação supra referido seja pertinente em função dos interesses constitucionalmente protegidos, isto é, resulte em diferenciação de tratamento jurídico fundada em razão valiosa – ao lume do texto constitucional – para o bem público.

Em suma, diz não é qualquer circunstância, senão real e logicamente explicada, que possui suficiência para discriminações legais.

Dito isto, tem-se que a legislação tributária pretendeu fixar o imposto sobre a prestação de serviços (“ISS”) de sociedades uniprofissionais de modo que, “quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.” (Decreto-Lei nº 406/68)

Restou claro que a exigência do ISS não pode abranger a importância paga a título do próprio trabalho do profissional, devendo ser “calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.”

As sociedades uniprofissionais referidas na lei são aquelas constituídas por médicos, fonoaudiólogos, contadores, advogados, agentes de propriedade industrial, engenheiros, arquitetos, dentistas, economistas, psicólogos, dentre outros.

A particularidade é que tais profissionais, reunidos para a prestação de serviços em uma pessoa jurídica, não perdem a pessoalidade na prestação dos serviços, permanecendo indispensável a habilitação profissional individual e a responsabilidade pelos erros e pelas dívidas porventura contraídos.

Vale dizer, o médico, o advogado, o engenheiro e os demais profissionais desta categoria são quem efetivamente prestam serviços aos seus clientes ou pacientes, fazendo com que a pessoa jurídica tenha o papel meramente organizacional.

Não é por demais afirmar que a existência da pessoa jurídica é de importância secundária, sendo, em última instância, até desnecessária, senão para compartilhar algumas despesas como recepção, secretárias, arquivo ou assistentes administrativos.

Sempre será o advogado quem assinará a petição em juízo, assim como será o médico quem fará a cirurgia ou o engenheiro quem fará a obra, eis que habilitados pessoalmente a fazê-lo e sob inafastável responsabilidade pessoal.

Esta é a razão pela qual a lei definiu que o ISS destas sociedades uniprofissionais deva ser exigido em relação a cada profissional que a integrar, em valores fixos, ao passo que os profissionais liberais e autônomos são isentos do pagamento do ISS na maior parte dos municípios.

O Município de São Paulo vem tentando, há anos, exigir o ISS sobre o faturamento das sociedades uniprofissionais, incompreendendo casuisticamente a natureza destas sociedades. Adota medidas que vão desde o ilegal Desenquadramento destas sociedades por conta de exigências não previstas no Decreto-Lei nº 406/68 até a mais recente edição da Lei nº 17.719/2021.

Nesta mais recente ilegal investida arrecadatória, fixou faixas de receita presumida mensal crescentes a depender da quantidade de profissionais que integram uma sociedade uniprofissional. E sobre estas faixas de progressiva receita presumida, pretende exigir o ISS.

Presume que a quantidade de profissionais influencia o valor de receita que o grupo é capaz de aferir. É presunção ilegal e desprovida de um mínimo fundamento e jurídico.

Voltando às diretrizes iniciais deste post, um profissional autônomo ou profissionais reunidos em uma sociedade com 2, 20 ou 200 outros profissionais da mesma atividade, não podem ser desequiparados entre si para fins tributários. Não há uma correlação lógica entre a quantidade de advogados, médicos ou engenheiros reunidos e a capacidade de presumir uma progressiva receita individual. O diferencial “quantidade de profissionais” não é razão valiosa sequer ventilada no ordenamento jurídico para abrigar a pretensão municipal de arrecadar mais ISS.

Há, nas lições de Celso Antonio Bandeira de Melo e até na leiga percepção de qualquer não-jurista de bom senso, uma flagrante violação ao princípio da isonomia.

Deixo de adentrar, para não me alongar à escandalosa Lei 17.719, na ausência de competência municipal para disciplinar de modo diverso daquele estipulado no Decreto-Lei 406, recepcionado como lei complementar pela Constituição Federal de 1988, que define a exigência do ISS em valores fixos.

A OAB/SP, o Cesa e o SINSA, em ação coletiva, já instaram o Poder Judiciário a se manifestar e corrigir o rumo da legalidade frente a mais uma incansável investida arrecadatória do ente municipal paulistano. Por ora, a exação foi afastada por decisão judicial liminar, cujas razões permitem antever uma breve sentença confirmatória do mérito.

FONTE: Valor Econômico – Por Eduardo Salusse

 

 

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