Com a limitação dos julgamentos virtuais, casos bilionários ficaram parados.
O estoque de quase R$ 1 trilhão em processos parados no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) vem afetando o pagamento dos escritórios de advocacia. O volume chegou a tal dimensão por causa da pandemia. O conselho decidiu passar a fazer julgamentos virtuais, mas só de processos de até R$ 36 milhões. O resultado: casos bilionários paralisados desde então.
O valor exato do estoque de processos administrativos aguardando julgamento é de R$ 982,5 bilhões. A título de comparação, em 2019, portanto antes da pandemia, era de R$ 628,5 bilhões, valor próximo à média registrada desde 2016.
Esse aumento, segundo tributaristas, se deve à escalada do teto dos processos a serem julgados no período, de R$ 12 milhões para R$ 36 milhões. O Carf cogita elevar esse limite, se seguir no meio virtual, mas não este mês.
Na prática, o teto adia que honorários advocatícios entrem no caixa da área tributária das bancas. O impacto é maior nas “boutiques tributárias”, especializadas. Geralmente, a área tributária cobra para propor a ação e um percentual sobre o êxito. Por isso, para os tributaristas, processo parado significa zerar a receita.
No contencioso, o impacto a longo prazo dos honorários é mais comum. A tese do século, que definiu a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins, é um exemplo, segundo Renato Vilela Faria, sócio-coordenador do Peixoto & Cury Advogados. Apesar de o mérito ter sido julgado em 2017, o recurso de embargos só foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal em 2021. “Os honorários dos escritórios foram prorrogados para quatro anos depois. É um cenário bem parecido com o que está acontecendo no Carf”, afirma.
Esse limite de R$ 36 milhões também dificulta um outro tipo de cobrança, normal entre clientes da área tributária, que é a mensalidade pelo acompanhamento de processos. “Via de regra os contratos estão relacionados a pró-labore. Se as empresas não pagam êxito pagam a hora-trabalho”, afirma a presidente da Comissão de Empresas da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (Abat) Valdirene Franhani. Mas, com o protelamento dos julgamentos de maior valor, também não há sustentação oral, nem reuniões para despachar com os relatores dos processos.
As áreas tributárias vêm conseguindo compensar os processos parados no Carf com a prestação de consultas e o contencioso tributário judicial. “Mas havia uma previsão de faturamento com o Carf, agora isso mudou”, afirma Valdirene, que também é sócia-fundadora do escritório Lopes Franhani Advogados.
No começo, ter um teto para as sessões virtuais chegou a ser visto como algo positivo. Alguns tributaristas consideram que, no ambiente on-line, ficam prejudicados os casos com maior necessidade de discussão e os pedidos de vistas em litígios mais complexos. O advogado Leandro Cabral, sócio do escritório Velloza Advogados, destaca ainda a falta de interação entre conselheiros na semana da sessão, o que ajuda a equilibrar a compreensão dos casos, segundo ele.
Com os julgamentos virtuais, de acordo com um advogado ouvido pelo Valor, só não sentiu impacto o escritório que não tinha grande atuação no conselho. Outro sócio de grande banca revela que em poucos casos os honorários são cobrados apenas para acompanhar os processos. O mais comum é o contrato atrelado ao êxito.
Para as empresas, em geral, a demora também não é interessante. Segundo Valdirene, porque, em muitos casos, elas precisam fazer provisões dos valores em discussão.
Segundo Igor Mauler Santiago, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT) e membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB, a demora só é positiva para o contribuinte que sabe que deve e quer ganhar tempo. Para Santiago, a maioria dos contribuintes e a União querem resolver o problema e o melhor seria julgar logo todos os casos.
O advogado lembra ainda que diferentes transações estão abertas, para a negociação do pagamento de valores inscritos na dívida ativa da União, entre contribuintes e procuradores da Fazenda Nacional. Sem o julgamento pelo Carf, o valor não é inscrito na dívida ativa e as empresas não conseguem aderir.
Podem reforçar o efeito do teto de R$ 36 milhões, para o julgamento de processos pelo Carf, os recentes cancelamentos de sessões por causa do movimento de paralisação da Receita Federal. Segundo Carlos Crosara, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados, o contribuinte fica com a exigibilidade suspensa, o Fisco não recebe e nem os advogados. Em geral, Crosara diz, só nos casos que transitaram em julgado, antes da paralisação, os honorários de êxito podem ser cobrados.
É na finalização dos processos na esfera administrativa que normalmente os escritórios ganham dinheiro, confirma Augusto Paludo, sócio da Covac Sociedade de Advogados. Por outro lado, os gastos diminuem. “Como as sessões são virtuais, não há despesa do advogado para ir até Brasília, ficando horas ociosas no tribunal”, afirma.
Embora o valor em reais do estoque do Carf aumente, como os casos de menor valor são a maioria, o número de processos vem caindo. Eram 90,9 mil aguardando julgamento em dezembro. Hoje, 145 processos discutem R$ 409 bilhões e 34.767 processos, R$ 638,9 milhões.
FONTE: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon — De Brasília