Decisão acelera volta de empresários ao mercado formal.
O sócio de um restaurante falido conseguiu autorização da Justiça de São Paulo para se desvincular do processo de falência sem cumprir um dos requisitos da lei: a comprovação do pagamento das dívidas tributárias. Essa decisão é considerada inovadora por advogados que atuam na área.
Foi proferida pelo juiz Paulo Furtado, da 2ª Vara de Recuperações e Falências da capital paulista. Se replicada, dizem os especialistas, vai permitir que os sócios voltem ao mercado de forma mais rápida.
É que quando a empresa tem a falência decretada, eles ficam atrelados ao processo e têm uma série de obrigações a cumprir. O sócio de responsabilidade ilimitada – que antigamente era chamado de empresário individual -, além disso, fica impedido de abrir um novo negócio.
Sócios de companhias limitadas e sociedades anônimas, por sua vez, não podem viajar sem comunicar o juiz e deixar um representante legal, sob pena de responder por crime de desobediência.
A nova Lei de Recuperações e Falências (Lei nº 14.112, de 2020), em vigor desde janeiro do ano passado, trouxe um alívio. Antes, o sócio só podia se libertar da falência depois de cinco anos do encerramento do processo. Esse prazo está bem mais curto agora. São três anos a partir da decretação da falência.
Só que não é automático. Cumprido o prazo, ele precisa de uma decisão do juiz para a extinção das suas obrigações. É aqui que entra a questão fiscal. Consta no artigo 191 do Código Tributário Nacional (CTN) que “a extinção das obrigações do falido requer prova de quitação de todos os tributos”.
Advogados dizem que esse requisito é praticamente impossível de ser cumprido. Tratam como uma “prisão perpétua” para os empresários.
“Exigir a prova de pagamento de tributos é exigir o pagamento da integralidade da dívida”, afirma Ricardo Siqueira, sócio do RSSA Advogados. “Se houvesse dinheiro para pagar toda a dívida, a empresa não teria se socorrido de um processo de insolvência nem seria decretada falida”, acrescenta o especialista.
No caso do restaurante, analisado pelo juiz Paulo Furtado, o patrimônio da empresa não foi suficiente para pagar todos os credores. Os bens foram arrecadados, alienados e os valores repassados conforme a ordem de prioridade estabelecida na lei (trabalhadores, credores com garantia, Fisco e quirografários – os sem garantia).
A empresa não tem mais bens e, por óbvio, os pagamentos em aberto não serão realizados. O processo de falência se encerrou no ano de 2014 (processo nº 1060969-57.2020.8.26.0100).
“Se todos os credores estão sujeitos à falência, incluindo os credores tributários, e todos os bens do devedor já foram destinados à satisfação dos credores no processo falimentar, a previsão de que a extinção de obrigações tributárias depende de prova da quitação dos tributos é incompatível com o sistema falimentar implantado no Brasil”, disse o magistrado na decisão.
Furtado afirma ainda, na sentença, não haver razão para que um credor que não é prioritário – antes do Fisco existem duas categorias de credores – possa exigir o pagamento integral do seu crédito. Para ele, além disso, a Lei de Recuperações e Falências (nº 11.101, de 2005) estabelece somente requisito temporal para a extinção das obrigações, o que, na sua visão, revoga o artigo 191 do CTN.
Especialista na área, Julio Mandel, do Mandel Advocacia, concorda com a decisão. “Se não há mais bens, não há mais como pagar o Fisco”, afirma. “A manutenção de um processo assim só gera custos ao Judiciário. Não ajuda em nada a sociedade e, portanto, não ajuda a própria Fazenda”, diz o advogado.
Essa sentença pode estimular outros sócios a pedirem a extinção de suas obrigações, segundo Luiz Deoclecio Fiore de Oliveira, da OnBehalf Auditores e Consultores. Da forma como vinha ocorrendo até aqui, diz o especialista, muitos nem voltavam ao processo por causa do requisito referente às dívidas fiscais.
“O sistema de insolvência sempre foi muito criticado porque uma vez falido, sempre falido. Nunca conseguia se livrar desse carimbo por conta dessas exigências”, diz Oliveira.
O especialista chama a atenção, além disso, que decisões nesse sentido, liberando os sócios para voltar ao mercado, vão contribuir para a formalidade dos negócios. “Não é porque está falido e impedido de exercer a atividade que não está exercendo. Esse sócio, então, poderá voltar a exercer em nome próprio e não usando nome de terceiros.”
FONTE: Valor Econômico – Por Joice Bacelo — Do Rio