Para virar jurisprudência, contribuintes contam com parecer de ex-ministro do STF.
Empresas do setor de seguros apostam na virada da jurisprudência de uma discussão milionária de PIS e Cofins em andamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Trata-se da tributação de rendimentos decorrentes dos “ativos garantidores” – a reserva técnica que tem de ser mantida como garantia às indenizações dos clientes.
A expectativa dos contribuintes é de conquistar precedentes na Câmara Superior do Carf. Hoje não há registro de decisão a favor das empresas na última instância do tribunal administrativo.
Nas câmaras baixas, oscila. Segundo levantamento realizado pelo advogado Leandro Cabral, do escritório Velloza, 13 acórdãos haviam sido publicados até outubro de 2021. Sete contrários, ou seja, para manter a cobrança de PIS e Cofins aplicada pela Receita Federal, e seis favoráveis às empresas.
Existem dois motivos que levam os advogados a acreditarem que essa situação pode mudar. Um deles é o novo critério de desempate dos julgamentos no Carf, que favorece o contribuinte.
Antes, sempre que havia empate, o presidente da turma – um representante da Fazenda – é quem dava o voto de minerva. O levantamento realizado por Leandro Cabral mostra que 62% das decisões desfavoráveis aos contribuintes foram proferidas dessa forma.
Outro motivo que alimenta as chances de virada na jurisprudência é uma “carta na manga” que começa a aparecer nas defesas das seguradoras. Trata-se de um parecer do ex-ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal (STF), em que ele esclarece sobre o trecho de um voto proferido por ele mesmo no ano de 2005, quando ainda atuava na Corte.
A Receita Federal utiliza o voto do ex-ministro em larga escala, como chancela para cobrar os tributos. Com base nisso, vem conseguindo convencer os julgadores do Carf. A maioria das decisões favoráveis à cobrança de PIS e Cofins cita o voto de Peluso. Só que o próprio ministro, na atual condição de parecerista, diz que a interpretação dos fiscais ao seu voto está errada.
O julgamento realizado no STF em 2005 tratou sobre o conceito de faturamento para efeitos de PIS e Cofins. A decisão vale para os contribuintes que fazem parte do regime cumulativo (que não podem tomar crédito). Esse é o caso das seguradoras.
Os ministros afirmaram, naquela ocasião, que só as receitas geradas da prestação de serviço ou venda de mercadoria – a depender da atividade da empresa – poderiam ser computadas no cálculo das contribuições.
Peluso concordou com a tese. Ele diz, no voto, que faturamento compreende as receitas operacionais da empresa.
Para a Receita Federal, esse trecho inclui as receitas decorrentes dos ativos garantidores. O Fisco considera que a constituição de reserva técnica, uma obrigação prevista em lei, é atividade operacional das empresas e cobra, portanto, PIS e Cofins sobre os rendimentos decorrentes desse “colchão”.
Advogados que atuam para o setor nunca concordaram com essa interpretação. “As receitas não decorrem de prestação de serviço. As seguradoras precisam ter capital investido e esse investimento gera rendimentos”, diz Caio Malpighi, do escritório Mannrich e Vasconcelos. “O que vem do serviço são as receitas que recebem a título de prêmio pelos seguros. Só essas podem ser tributadas”, acrescenta.
No parecer, o ex-ministro confirma a versão dos advogados. O documento começou a ser utilizado, inicialmente, em processos judiciais. Agora também é visto nas discussões em tramitação no Carf.
“O que a Receita Federal não vê, nem distingue é condição e atividade condicionada, nem o fato óbvio de a receita financeira não significar aí contraprestação devida, pelo segurado, por prestação de serviço típico da seguradora. As seguradoras não prestam serviço de seguro ao banco quando depositam as reservas técnicas! ”, frisa Peluso no texto.
Conselheiros do Carf citaram o parecer do ex-ministro em decisão proferida, recentemente, a favor de uma seguradora. O julgamento ocorreu na 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção no fim do ano passado e o acórdão foi publicado há poucos dias. É o primeiro que se tem notícias nesse sentido.
“Importante esclarecer a adequada interpretação do voto do ministro”, afirma, no voto, o conselheiro Márcio Robson Costa, que representa os contribuintes. Esse foi o entendimento que prevaleceu na turma (processo nº 16682.722324/2017-67).
O advogado Maurício Faro, do escritório BMA, atuou para a empresa no caso. “Esse acórdão é importante porque afasta uma premissa que fundamenta muitos autos de infração lavrados pela Receita Federal e também decisões do próprio Carf”, diz.
Esse caso foi decidido pelo novo critério de desempate – que favorece o contribuinte. Representante do Fisco, a conselheira Mara Cristina Sifuentes, relatora do processo, embasa o seu voto com decisões anteriores do Carf, a favor da cobrança de PIS e Cofins, e não cita o parecer do ex-ministro Peluso.
“Quem tem voto contra [o contribuinte], convicto, é mais difícil mudar. Mas é possível sensibilizar aqueles conselheiros que ainda não firmaram posição, principalmente em câmara baixa, porque o parecer trata expressamente do argumento utilizado pela Receita Federal”, afirma o advogado Leandro Cabral. “À medida em que analisarem o parecer, por coerência, terão que mudar de posição. ”
Esse tema deve ser visto com mais frequência na pauta do Carf neste ano. A presidência do órgão afirma que vai dar prioridade a casos que envolvem maior valor assim que os julgamentos presenciais forem retomados.
A previsão inicial era no começo do ano. Mas as sessões de janeiro foram suspensas por causa da greve dos auditores fiscais e, ontem, o órgão publicou uma nova portaria, nº 421, informando que continuará com sessões virtuais em fevereiro e março (ver matéria abaixo). Só se enquadram nessa modalidade processos de até R$ 36 milhões.
O caso levado a julgamento na 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção – o único que se tem notícia em que conselheiros citam o parecer do ex-ministro Peluso – encostava nesse teto. Estavam em jogo R$ 35 milhões.
Por meio de nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que o voto do ex-ministro Peluso não é a principal razão de decidir nesses casos, “mas um argumento de reforço”. “As receitas devem ser tributadas porque integram o conjunto dos negócios ou operações desenvolvidas por essas empresas”, diz. “Tratase de receita da atividade operacional das seguradoras, que estão incluídas no conceito de faturamento. ”
Acrescenta que o caso na câmara baixa foi decidido pelo novo critério de desempate e que o parecer de Peluso não modificou a posição dos conselheiros fazendários. Esse processo, segundo a PGFN, será levado à Câmara Superior, onde a jurisprudência é favorável à cobrança.
A procuradoria ainda destaca que em dezembro a 3ª Turma da Câmara Superior negou provimento ao recurso de um contribuinte por maioria de votos. O acórdão ainda não foi publicado (processo nº 16682.722918/2016-97)
FONTE: Valor Econômico – Por Joice Bacelo