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ALTA DA SELIC FAZ DISPARAR CUSTO DE DÍVIDA PARA COMPANHIAS

21 de janeiro de 2022

Títulos atrelados ao CDI ficam mais caros e afetam rentabilidade.

As empresas que acessaram o mercado de capitais para emitir dívida em 2021 aproveitando o cenário favorável de Selic muito baixa verão seus custos com despesas de juros quase dobrar em 2022. Isso porque, dos R$ 250 bilhões de recursos captados no ano passado por meio de emissões de debêntures, 76% estão atrelados ao CDI.

Esse custo mais alto ainda não coloca em questão um risco de solvência para as companhias – que, na maior parte dos casos, ainda exibem um nível de alavancagem baixo. Mas certamente afetará a rentabilidade das empresas, com efeito direto sobre o lucro e, consequentemente, sobre a capacidade de crescimento no médio prazo.

“O que o juro mais alto provoca é uma redistribuição do resultado, que antes ia para o acionista e, agora, vai também para o credor”, afirma o sócio-gestor da JGP Alexandre Muller.

Para estimar o impacto da alta da Selic, que começou 2021 em 2%, o gestor olhou para a evolução da dívida das empresas que compõem o IDEX-CDI, índice criado pela JGP que reúne as debêntures atreladas ao CDI com boa negociabilidade no mercado. Levando-se em conta um CDI médio de 4,46% no ano passado, o custo efetivo de juros dessas empresas ficou em R$ 6,68 bilhões em 2021. Se a Selic subir para 12%, como prevê o mercado, o CDI médio neste ano passaria para 12,31%, elevando o custo desse grupo de empresas em 84%, para R$ 12,31 bilhões em 2022.

Olhando para o retorno sobre o capital investido (ROIC), Muller dá um exemplo hipotético de uma companhia cujo indicador seja de 8,9%. Se o custo de capital for de 6,5%, essa empresa gera valor, mas se ele sobe essa equação começa a ficar mais difícil. O gestor lembra também que, numa situação de alta no custo de capital, as empresas menores e menos rentáveis são as que sofrem mais. “Os movimentos de juros causam mais concentração de mercado, porque as empresas maiores, que têm poder de reajustar preços, conseguem sobreviver, enquanto as menores passam a ter mais dificuldades.”

Mas não é só o aumento das taxas de juros que vai encarecer a dívida das companhias. Para Vivian Lee, sócia da Ibiuna Investimentos, é preciso notar que o spread, que é a taxa paga acima do CDI pelos títulos, também pode voltar a subir nos próximos meses. A executiva lembra que, em 2021, com a migração do investidor da bolsa para ativos de renda fixa, houve um forte fluxo para fundos de crédito, o que levou a uma redução importante desse spread, para perto de 1,40%.

As empresas aproveitaram esse momento favorável e fizeram muitas ofertas entre outubro e novembro.

Porém, diante de um ambiente mais incerto e do aperto na política monetária, os fundos de crédito ficaram mais seletivos no fim do ano. Como consequência da demanda mais equilibrada e de uma enxurrada de ofertas, o spread voltou a subir para perto de 1,80%. “O mercado ficou ‘empapuçado’ no fim do ano, mostrando que, mesmo com o fluxo para renda fixa, o investidor não vai corroborar spreads tão baixos”, afirma Lee.

A questão, observa, é que os emissores que precisarem rolar suas dúvidas ou mesmo reforçar o caixa têm até meados deste ano para fazê-lo, porque tudo indica que, a partir daí, a disputa eleitoral tende a reduzir a disposição do investidor em assumir risco. Ou seja, pode haver uma nova concentração de ofertas nos próximos meses e, portanto, uma reprecificação dos papéis. “Quem precisar voltar a mercado pode ter que pagar um spread mais alto, além de um CDI bem mais elevado.”

Para Laurence Mello, gestor responsável pela estratégia de crédito privado da AZ Quest, o cenário para as empresas vai piorar com a alta de juros, “mas não vai ficar necessariamente ruim”, especialmente quando se olha para as “high grade”, ou seja, aquelas que têm boa classificação de risco. São companhias que já fizeram ajustes e estão hoje com boas condições de liquidez. “Olhando para a estrutura de balanços, as companhias têm condições de pagar dívidas”, afirma. Ainda assim, haverá um encarecimento do custo financeiro, com efeito sobre rentabilidade e sobre o desempenho das ações.

A consequência será, em sua visão, um retrocesso na dinâmica do mercado de dívida, que viveu um período de alongamento de prazos e redução de spreads. “As empresas vão precisar de mais alavancagem, mais capital próprio, e farão emissões de prazo mais curto”, diz Mello, acrescentando que essa dinâmica pode afetar a velocidade de crescimento dessas empresas.

O impacto do aumento do custo da dívida deve ser diferente a depender do perfil da companhia, diz Artur Nehmi, gestor de renda fixa da Sparta. Ele observa que setores de empresas que oferecem serviços públicos básicos, cujo capital tem proteção natural pela alta da inflação, terão menos problemas. É o caso de empresas dos segmentos de energia, infraestrutura ou saneamento, importantes emissoras de debêntures. No entanto, as companhias de perfil mais cíclico vão sofrer mais, porque verão uma queda de receita diante da desaceleração da economia, ao mesmo tempo em que a despesa financeira tende a aumentar com juros mais altos.

Outro perfil de companhia que pode ser mais afetado pelo aumento dos juros são aquelas que trocaram IPOs (ofertas iniciais de ações, na sigla em inglês) por emissões de dívida como instrumento de reforço de caixa. “Algumas tinham espaço no balanço para emitir ‘equity’ [ações], mas não necessariamente para emitir dívida”, observa Nehmi.

Para Ricardo Carvalho, analista da Fitch, a alta dos juros vai pressionar a linha das despesas financeiras das companhias. Mas, segundo ele, o efeito perverso para as companhias virá da demanda. “O juro sobe porque a inflação está alta, e essa combinação afeta a renda e tem um efeito restritivo para as empresas”, afirma. Ele destaca que o nível de alavancagem das empresas ainda está baixo – a dívida sobre Ebitda estava ao redor de 1,5%, segundo dados do Banco Central, contra 3,5% em 2015. Isso significa que os balanços devem continuar saudáveis, mesmo com a piora das condições de custo de crédito.

“A questão agora é saber por quanto tempo o juro vai ficar alto. Mas as empresas fizeram o dever de casa, alongaram o passivo e estão mais preparadas para enfrentar esse cenário mais adverso”, diz. “De todo modo, o resultado virá mais fraco na linha da receita e na linha do juro, mas não é um risco que nos preocupe. ”

Diante disso, Carvalho afirma acreditar que haverá um número menor de elevações das notas de crédito das companhias. “Mas também não esperamos um número material de ‘downgrades’ [rebaixamentos]”, diz.

Para Yuri Ramos, superintendente do banco de investimento do BV, a alta da Selic e do custo da dívida deve ter impacto contábil para as empresas. Mas, para ele, boa parte delas já fazia planejamento considerando um nível de taxa de juros mais elevado, o que pode indicar um efeito mais brando do que se imagina sobre a vida dessas companhias. Na visão de Ramos, mesmo com o aumento de juros em curso, o mercado de capitais deve continuar aquecido em 2022, sustentado, por exemplo, por companhias de infraestrutura. Ele lembra que houve várias concessões no ano passado – como da Cedae, companhia de saneamento do Rio – e as empresas vão buscar financiamento de longo prazo para viabilizar os investimentos.

FONTE: Valor Econômico – Por Lucinda Pinto — De São Paulo

 

 

 

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