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O PLANO DE RECUPERAÇÃO DOS CREDORES

20 de janeiro de 2022

Resta saber se o instituto será abraçado ou esquecido pelos brasileiros, a exemplo do que ocorre com comitê de credores.

Por meio de reforma sancionada em 24 de dezembro de 2020, a Lei nº 11.101/2005 – LRF, que regula a recuperação judicial no Brasil, passou a autorizar, de forma inovadora (ao menos para os padrões brasileiros), que, em duas hipóteses específicas, os credores de sociedades em crise apresentem plano alternativo desoerguimento.

Primeiramente, estabelece o parágrafo 4º-A do artigo 6º da LRF que o plano alternativo poderá ser apresentado caso o plano originalmente ofertado pela recuperanda não seja votado dentro do prazo do stay period, isto é, durante os 180 dias, prorrogáveis por igual período, contados a partir do deferimento do processamento da recuperação, durante os quais permanecem suspensas todas as execuções ajuizadas contra o devedor.

Resta saber se o instituto será abraçado ou esquecido, a exemplo do que ocorre com o comitê de credores A segunda hipótese, prevista no parágrafo 4º do artigo 56, admite a apresentação do plano pelos credores caso a proposta originalmente apresentada seja rejeitada em assembleia-geral, cumprindo ao administrador judicial submeter à votação dos presentes a concessão de prazo de 30 dias para a apresentação do novo documento, a ser aprovada por mais da metade dos créditos presentes.

Tais previsões foram inspiradas no parágrafo 1.121 do Chapter 11, da legislação federal que regula o processo de reorganização de empresas nos Estados Unidos. O dispositivo autoriza que os credores apresentem plano de recuperação, caso o devedor não o faça no prazo legal ou a sua proposta não seja aprovada, cumprindo ao juízo reduzir ou majorar, casuisticamente, o stay period.

No Brasil, para que o plano alternativo (o plano dos credores) seja submetido a votação, será necessário o apoio, por escrito, de credores que representem, alternativamente, 25% da totalidade do crédito sujeito à recuperação ou 35% dos créditos presentes à assembleia-geral em que o plano da recuperanda foi rejeitado.  Isso, naturalmente, caso a proposta original da recuperanda, ainda que rejeitada, não seja aprovada pelo juízo, na forma do parágrafo 1º do artigo 58 da LRF (cram down).

Levado a votação em nova assembleia e aprovado, o plano alternativo será homologado desde que: (a) não impute novas obrigações, não previstas em lei ou contratos anteriores, aos sócios da recuperanda; (b) isente as pessoas naturais das garantias pessoais prestadas em relação aos créditos a serem novados e que sejam de titularidade dos credores que apoiarem ou votarem favoravelmente ao novo documento; e (c) não impute ao devedor ou aos seus sócios sacrifício maior do que aquele que decorreria da liquidação na falência.

Muito embora essas vedações, em especial aquela que determina a liberação das garantias pessoais, possam incentivar alguns credores a votarem contra o plano alternativo, a simples possibilidade de apresentação de uma proposta autônoma de soerguimento, por si só, parece representar verdadeiro instrumento de pressão contra a elaboração de planos desarrazoados, excessivamente agressivos ou não efetivos.

Além disso, ao conferir aos credores a faculdade de elaborar um plano alternativo, a lei cria ambiente favorável a proposição de soluções de soerguimento mais criativas, inovadoras e até mesmo arrojadas, não vislumbradas anteriormente pela recuperanda (por exemplo, a capitalização dos créditos, inclusive com a consequente alteração do controle da sociedade devedora, conforme parágrafo 7º do artigo 56 da LRF).

Provavelmente, um dos maiores desafios a serem enfrentados na elaboração de um plano alternativo seja resolver a assimetria de informações que costuma existir entre os credores e os acionistas e administração da própria recuperanda e, assim, conseguir propor soluções realistas e efetivas para a companhia.

Talvez a adoção de comitê de credores, a contratação de assessores que busquem mergulhar na gestão e desafios operacionais da recuperanda seja um caminho importante para a efetividade desse mecanismo, de modo a garantir aos credores a recuperação da maior parcela de seus créditos, sem ocasionar o descumprimento das obrigações novadas e, consequentemente, a decretação de falência da recuperanda.

E não por outra razão, para reduzir o risco do aumento do número de decretação de falência, pela má utilização do instituto, a reforma redirecionou aos credores obrigações originalmente imputadas às recuperandas, tais como: (a) discriminação pormenorizada dos meios de recuperação; (b) demonstração da viabilidade econômica da devedora; e (c) apresentação de laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.

Só não esclareceu o legislador duas questões da maior relevância. Primeiro, se o juízo pode aprovar o plano alternativo rejeitado pelos credores, mas que cumpra os requisitos estabelecidos no parágrafo 1º do artigo 58 da LRF (cram down). Depois, se os credores poderiam apresentar mais de uma proposta e, admitida essa hipótese, como conciliá-las e conduzir a votação de múltiplos planos em assembleia.

Sejam quais forem as respostas que o Judiciário dará a essas questões, a nova faculdade conferida aos credores parece suficientemente regulada e poderá representar mais uma ferramenta a serviço dos interessados na efetiva recuperação de créditos e de empresas em crise, atendendo a demanda antiga do mercado local. Agora, resta saber se o instituto será abraçado ou esquecido pelos brasileiros, a exemplo do que ocorre com o comitê de credores, muito pouco utilizado internamente, embora também constitua poderoso meio de pressão a sociedades em recuperação.

Rodrigo Osegueda Mattos e Pedro Pereira Lopes são, respectivamente, mestre em direito empresarial, pós-graduado em direito processual civil e direito privado patrimonial e sócio do LDCM Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: Valor Econômico – Por Rodrigo O. Mattos e Pedro P. Lopes

 

 

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