Conselheiros entenderam que o ex-deputado seria o real titular do patrimônio e da renda de trust.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve a maior parte de uma cobrança de Imposto de Renda do ex-deputado Eduardo Cunha no valor de R$ 3,76 milhões. A autuação fiscal refere-se a ganhos com trusts (fundos) no exterior, que foram desconsiderados pelos conselheiros da 1ª Turma da 4ª Câmara da 2ª Seção. Cabe recurso.
O trust consiste em um contrato privado em que o instituidor (chamado de settlor ou grantor) transfere a propriedade de parte ou da totalidade de seus bens a alguém (o trustee) que assume a obrigação de administrá-los em benefício do próprio instituidor ou de pessoas por ele indicadas, geralmente herdeiros.
Esse tipo de contrato é comum no exterior e usado por algumas famílias para manter investimentos fora do país. Ele oferece algumas vantagens, como a possibilidade de somente disponibilizar o dinheiro para os herdeiros perante algumas condições preestabelecidas – idade, decisões empresariais, pagamento parcial, entre outros.
Advogados tributaristas afirmam que, na transferência de valores, de forma geral, não incide Imposto de Renda, por se tratar de doação e não de renda. A Receita, porém, defende a tributação. O entendimento está na Solução de Consulta nº 41, editada em março de 2020 pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que orienta os fiscais do país.
O caso envolvendo Eduardo Cunha, contudo, é peculiar. Os conselheiros mantiveram a cobrança por entenderem que o ex-deputado não observou as regras para trust no exterior – seria o real titular do patrimônio e da renda. Na autuação, realizada em decorrência da Operação Lava-Jato, a Receita cita uma série de omissões de rendimentos e dividendos recebidos no exterior e creditados em trusts.
No processo, Eduardo Cunha alegou ser apenas beneficiário final dos trusts denominados Orion SP e Triumph SP. Foram constituídos em Edimburgo, na Escócia, com contas de administração (trust accounts) no banco suíço Julious Baer (antigo Merrill Lynch Bank).
Para o relator do processo no Carf, conselheiro José Luís Hentsch Benjamin Pinheiro, ficou evidente que o administrador e beneficiário era Cunha. “O autuado seria o real titular das contas Orion SP e Triumph SP, sendo os trusts uma mera formalidade elaborada para promover a blindagem de seu patrimônio”, afirmou no voto.
Entre as evidências coletadas, Pinheiro indicou na documentação a assinatura de Eduardo Cunha autorizando o banco a realizar alguns investimentos de risco. De acordo com o processo, a assinatura não é do trustee, a quem teoricamente caberia administrar os valores e gerenciar os riscos da propriedade, mas do próprio exdeputado.
Além disso, diante da solicitação do banco para a formulação de uma pergunta e uma resposta secretas para o caso de o cliente esquecer a própria senha os campos foram preenchidos com a pergunta “qual o nome da minha mãe” e a resposta era “Elza”, o nome da mãe de Cunha.
“As informações fornecidas pelo próprio banco suíço deixam claro que os ativos eram do deputado Eduardo Cunha e era ele que exercia o controle da conta, podendo usar, gozar, administrar e dispor do dinheiro ali existente”, disse o relator.
Ele manteve parte da cobrança de Imposto de Renda, referente ao período de 2010 e 2013 – o ano de 2010 foi desconsiderado em razão de decadência (perda de prazo para autuar).
De acordo com Caio Malpighi, advogado tributarista do Mannrich e Vasconcelos, o caso julgado difere do que é tratado na Solução de Consulta 41, já que os conselheiros concluíram que o trust foi apenas um instrumento de fraude e desatendia até as regras do próprio país onde ele foi instituído. O advogado lembra que existe o modelo do trust “revogável”, em que o instituidor pode revogar, vetar ou autorizar alguns atos de administração.
“Mas o formato adotado por Cunha foi além desse modelo, rompendo a lógica do trust, que foi feito para que o instituidor não tenha mais acesso a nada da propriedade”, diz. “O trust é um instrumento legítimo, mas como blinda o instituidor é muito usado para lavagem de dinheiro, apesar de existir um movimento grande contra isso”, afirma.
O Valor não conseguiu localizar algum representante da defesa de Eduardo Cunha para comentar a decisão.
FONTE: Valor Econômico – Beatriz Olivon