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COM QUANTAS IMUNIDADES OU ISENÇÕES SE FAZ UM LEITOR?

13 de outubro de 2021

Não se faz desenvolvimento econômico e balança comercial favorável sem imunidades das exportações.

Fiz-me leitora assim: a noite, meu pai me contava uma história. Ele também se fez um leitor no caldo lento das noites sem televisão, sem energia elétrica, ao lado do fogão a lenha a ouvir histórias e ao lado dos lampiões para ler as suas histórias. Acho que ainda sou uma leitora porque essa foi uma das minhas conexões mais profundas com meu pai, mas esse capital do afeto deixou uma semente. Que se tornou independente porque a leitura é para mim uma das formas mais íntimas de estar e não com o outro

Essa poderia ser uma história pessoal inspiradora, mas ela lida com uma pergunta fundamental: como se faz um país de leitores? Para que se faz um país de leitores?

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Na Holanda, onde me encontro, igrejas se tornaram universidades, hotéis academias e supermercados. Em Maastricht, um belo café-livraria ocupa hoje uma belíssima igreja histórica. Se alguém cogitasse reduzir os tributos das igrejas para fazer mais leitores, creio que os holandeses achariam imensa graça. É claro que não se tornam mais crentes com desoneração tributária.

Comparavelmente, a Europa é um continente de leitores. Alguns dizem que é o frio. Outros dizem que é porque a leitura é a forma mais fria de estar com o outro. Uma sociedade mais horizontalizada pode auxiliar a dar meios para que pais comprem livros para seus filhos. Um ensino universitário mais exigente impõe o hábito da leitura.

Como se faz um país ateu? Muitas igrejas cubanas foram transformadas em escolas e espaços de concerto, a fé se esgueirou pelos cantos, entrou nos cultos populares e continuou a ser vivida.

Nessa linha dos potenciais poderes tributários ou não do Estado, existe um limite claro mas não por isso palpável ou óbvio de até onde a atuação tributaria pode ou não criar condutas. Também porque uma andorinha não faz verão. A política pública (seja qual for) não se constrói apenas dentro do Direito Tributário, ela se constrói por um conjunto de medidas deliberadas dentro do Estado, mas que recebe da sociedade, dos atores sociais, tanto os pressupostos quanto o resultado das suas possibilidades.

É por isso que toda leitura da Constituição Tributária que não olhe para a Constituição e toda leitura da Constituição que não olhe para a sociedade na construção de políticas públicas é pobre. Desde as imunidades mais econômicas, como a de exportação, até as imunidades mais sociais, como a das entidades de educação e de assistência social, tem origem nos capítulos iniciais da Constituição, onde depositamos nossos sonhos mais profundos enquanto nação. Mas esse reflexo não é suficiente. Precisamos de mais.

Não se faz desenvolvimento econômico e balança comercial favorável sem imunidades das exportações, em um mundo de competição global em que a maioria dos países adota a lógica da tributação do país de destino. Mas conceder a imunidade nunca seria suficiente para dar causa em si ao desenvolvimento econômico.

Não se cria fé religiosa autêntica concedendo a imunidade religiosa, mas a imunidade religiosa favorece a sustentabilidade econômica das entidades religiosas. Se a imunidade é o único meio de fazer isso é outra história.

E, portanto, não se faz um país de leitores com a imunidade (base constitucional) e a isenção (base legal) dos livros, papéis, periódicos e o papel destinado à sua impressão.

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Mas certamente não se faz um país de leitores tornando o acesso ao livro mais difícil e caro. Não se promove a liberdade de expressão quando o Estado dá os livros e sem, ao mesmo tempo, facilitar o acesso a outras leituras. Se promove a liberdade de cultura de uma maneira muito mais restrita quando o acesso aos livros pelas classes sociais mais desfavorecidas é rotulado pelas escolhas de burocratas.

Nos países europeus, com sua população de renda média e um IVA que também aboliu muitas desonerações, os livros embora não isentos, constam na lista dos produtos que podem receber uma tributação mais branda. Dentro dos debates políticos, essa possibilidade tem a ver com a facilitação do acesso à leitura, mas, também, com os espaços simbólicos que os Estados optam por ocupar com o que tributam, o que não tributam e o que reduzem a tributação.

Não, não se faz um país de leitores apenas com desoneração tributária.

Mas se faz um país de leitores com a facilitação do acesso aos livros, o que se faz, também, com a não tributação.

FONTE: Valor Econômico – Por Pilar Coutinho

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