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STF, SOFTWARE E A RECEITA FEDERAL

15 de setembro de 2021

O STF não disse que toda atividade com software é um serviço: disse, tão somente, que licenciamento e cessão de software previstos em lei complementar estão sujeitos ao ISS.

Em 3 de agosto foi publicada a Solução de Consulta Disit nº 6.022 estabelecendo que a venda (desenvolvimento e edição) de softwares prontos para uso (de prateleira) está sujeita ao coeficiente do lucro presumido para atividades de comércio (8% para IRPJ e 12% para CSLL). Também determinou que, se as atividades envolverem softwares customizados (por encomenda), o coeficiente será aquele de prestação de serviços (32%). Até aqui nenhuma novidade, pois esse é o entendimento reiterado da Receita Federal.

Contudo, em 24 de fevereiro o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) nº 5659 e nº 1945, pôs fim à diferenciação entre software de prateleira ou por encomenda decidindo que, sobre atividades de licenciamento e cessão de direito de uso de softwares incide ISS, e não ICMS. O STF diz ter superado a antiga dicotomia entre obrigação de fazer e obrigação de dar para os tributos sobre consumo.

O STF não disse que toda atividade com software é um serviço, disse que licenciamento e cessão estão sujeitos ao ISS.

Assim, natural concluir que, como operações com software ficam sujeitas ao ISS, sua natureza jurídica é de “prestação de serviços”, inclusive para fins federais. Por esse raciocínio, o coeficiente sobre receita bruta do lucro presumido às operações com qualquer software (seja prateleira ou encomenda) seria de 32% (prestação de serviços), e não mais 8% e 12% (comércio). Isso aumentaria mais que o triplo da carga tributária atual sobre desenvolvedoras de software para o governo federal.

Todavia, essa conclusão mostra-se precipitada. Primeiramente, as decisões do STF envolveram tributos sobre consumo, portanto, não vinculam obrigatoriamente tributos sobre a renda: o cerne das ADIs foi dirimir o conflito de competência entre entes federativos (Estados e municípios) para determinar a incidência de ISS ou ICMS sobre software.

Ademais, o fundamento das ADIs não está calcado em dizer que licenciamento de software é “serviço” puro e simples, sujeito ao ISS, mas dizer que licenciamento e cessão de direitos (intangíveis listados expressamente no subitem 1.05 da Lei Complementar nº 116/03) devem sofrer a incidência do ISS, por serem negócio complexo de natureza híbrida. O STF não disse que toda atividade com software é um serviço: disse, tão somente, que licenciamento e cessão de software previstos em lei complementar estão sujeitos ao ISS.

Adicionalmente, a fundamentação jurídica do STF se baseou na superação da “obrigação de fazer” como único pressuposto normativo para a incidência de ISS, sob o argumento de que, mesmo quando não houver obrigação de fazer stricto sensu (que é o caso de cessão e licenciamento de direitos), a competência tributária é do município e não do Estado. Em outras palavras, as ADIs determinaram que o ISS teria como escopo material “serviços” (obrigação de fazer) e “intangíveis” (direitos), desde que listados expressamente em lei complementar, como ocorre com softwares. Houve uma expansão do escopo material do ISS, mas não uma redefinição do que é “serviço”.

Ainda, o regime de lucro presumido segmenta coeficientes de receita bruta de acordo com setores da economia existente à época (indústria, comércio e serviços). Décadas após sua criação, surgiram novos segmentos, como exploração de “intangíveis” – não listados na lei federal. Por exemplo: se sociedade que explore criação e negociação de “token cryptos” para jogos eletrônicos, por não recolher ICMS ou IPI sobre “produção e “comercialização” desses e-tokens, deixaria de exercer “comércio”? Ora, comércio não é definido por “qualquer operação sujeita a ICMS” mas sim como operação de mercancia que implica transferência de propriedade de bens (tangíveis ou intangíveis, como entende o próprio STF) de forma habitual ou em volume relevante.

Finalmente, há ainda o raciocínio finalístico e indutor do regime de lucro presumido: com inúmeras startups de tecnologia emergindo no Brasil, não parece razoável majorar a carga tributária federal sob pretexto de acomodar as decisões do STF. A tributação dos desenvolvedores de software padronizados no lucro presumido se aproxima, sim, de uma operação mercantil, padronizada e alavancada em elevado volume. Deve, pois, estar sujeita a uma tributação federal similar às operações comerciais com bens tangíveis e corpóreos, sob pena de criar-se uma diferenciação indevida e pouco inteligente.

O raciocínio simplista de se aplicar imediatamente os precedentes do STF sobre tributação de software para fins federais e, sobretudo, para o Imposto de Renda deve ser tomado com cautela por parte da Receita Federal em futuras manifestações. O regime do lucro presumido é autônomo e exclusivo para fins federais, não vinculando Estados e municípios, e vice-versa. Exemplo de situação oposta é o de sociedades holdings que exerçam administração e comercialização de participações societárias: quando alienam participação societária não-permanente (ativo circulante) estão sujeitas ao coeficiente de prestação de serviço (32%) do lucro presumido. Entretanto, para fins municipais, as sociedades holding não recolhem ISS sobre essa operação de venda.

Em suma, o simples fato das atividades de cessão e licenciamento de software estarem sujeita ao ISS por força das recentes decisões do STF não altera, por si só, o conceito de “prestação de serviços” nem de “atividade comercial”, mas tão somente soluciona um conflito de competência entre Estados e municípios sobre qual ente político tem competência para instituir o tributo sobre consumo sobre essa atividade, não vinculando a União Federal nesse tema.

Leonardo Freitas de Moraes e Castro é advogado e sócio de Bueno &Castro Tax Lawyers

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

FONTE: Valor Econômico – Por Leonardo Freitas de Moraes e Castro

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