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O ICMS, O FAZENDEIRO E A FAZENDÁRIA

30 de junho de 2021

Crescimento dos marketplaces chama a atenção da administração fazendária da mesma forma que a galinha de ovos de ouro.

Diz a fábula que um fazendeiro deparou-se com uma galinha que colocou um ovo de ouro. Ele logo o vendeu na cidade e fez um bom dinheiro. No dia seguinte, a mesma galinha colocou outro ovo de ouro. Entusiasmado, o fazendeiro apressou-se em abrir a barriga da galinha para buscar todos os ovos de ouro que presumiu existirem. A galinha morreu. Não haviam outros ovos de ouro e o fazendeiro sucumbiu diante da sua própria ganância.

É o enredo da responsabilização que os Estados estão atribuindo aos marketplaces em relação ao ICMS devido nas operações que intermediam. A perspectiva jurídica do tema foi tratada no meu último post no Fio da Meada. há 48 minutos Fio da Meada.

O marketplace clássico é o shopping center feito de tijolos, em locais nobres, propagandeando vantagens, estacionamento, local agradável, com segurança, ar condicionado e outras facilidades que atraem os consumidores para visitarem as ofertas dos seus lojistas.

O Código Tributário Nacional e o primeiro Shopping Center do país foram, coincidentemente, criados no mesmo ano de 1966.

É o markeplace clássico que existia ao tempo da edição da Constituição Federal da República e da própria Lei Complementar nº 87/96. Em relação a eles, alguns Estados instituíram obrigações acessórias. O Rio de Janeiro, por exemplo, exige dos shoppings centers clássicos informação semestral sobre os estabelecimentos que dele fazem parte. Não há, até onde sei, qualquer notícia de sua responsabilização pelo ICMS devido por seus lojistas.

Nos anos 1990, a internet – concebida pelo MIT nos anos 1960 – consolidou-se mundialmente. No Brasil foi implementada em 1994, sendo um grande divisor de águas. Neste século XXI, surgiram as redes sociais.

E com tais inovações, novas atividades desafiaram o direito e a tributação. Dentre elas, as plataformas virtuais de marketplace.

Consistem em uma versão moderna dos shoppings centers clássicos, mas operando em um ambiente virtual estruturado para aproximar compradores e vendedores de produtos ou serviços.

A grande vantagem é o rompimento da barreira territorial. Os clientes dos shoppings centers clássicos, via de regra, frequentavam aqueles fisicamente próximos. Os marketplaces, enquanto shoppings virtuais, não tem qualquer barreira geográfica.

Em época de pandemia, os marketplaces foram a salvação de muitas empresas, principalmente das pequenas e inaptas a terem plataformas de vendas próprias. As operações tiveram um crescimento exponencial no Brasil e no mundo.

No primeiro trimestre de 2021, o PIB de São Paulo cresceu quase 2% mais em relação ao trimestre anterior. E cresceu 8,9% mais em relação ao mesmo período de 2020. Segundo levantamento do Sebrae, muitas atividades tiveram forte aquecimento durante a pandemia, especialmente medicamentos, material de construção, telecomunicações (aplicativos de “streaming”), compras “on line” (e-commerce), bebidas, mercados, pets, material de informática, dentre outros.

Este crescimento chama a atenção da administração fazendária da mesma forma que a galinha de ovos de ouro chamou a atenção do fazendeiro. E o fim dos marketplaces virtuais pode ser o mesmo da galinha dos ovos de ouro.

Sob o argumento de seguir diretrizes da OCDE, que em 2020 editou relatório com sugestões de regras para responsabilizar os marketplaces pelo IVA nas operações internacionais, as autoridades brasileiras tentam incorporar as sugestões no âmbito do ICMS, de alcance federativo, com vários sujeitos ativos, várias alíquotas, cobrado na origem e com legislações complexas dentro de um mesmo país.

Há, ao contrário das orientações da OCDE, um ônus desproporcional às plataformas de marketplace. O efeito tende a ser reverso: ao invés de aumentar a arrecadação, desincentiva-se ou até inviabiliza-se a atividade econômica.

Os marketplaces virtuais representam apenas uma das diversas atividades que desafiam o aplicador do direito nas últimas décadas. O legislador não acompanha a rápida transformação social. O interprete esforça-se para suprir tal lacuna, mas nem sempre consegue. Então o Executivo legisla. O Judiciário legisla. O legislador ordinário legisla matéria de competência constitucional e de legislação complementar. É quase um salve-se quem puder!

Não há esperança de que o legislador acelere o exercício das suas funções, tampouco que a sociedade transforme-se em ritmo menos acelerado. A única saída, portanto, é a imediata simplificação do sistema. Não é um remédio fulminante, mas pode nos fazer passar dias melhores nesta sociedade com tantos dilemas.

FONTE: Valor Econômico. Por Eduardo Salusse

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