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NOVA LEI DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL NÃO DÁ SUPERPODERES AO FISCO

31 de maio de 2021

Uma das mudanças mais polêmicas desse novo diploma legal diz respeito aos poderes do Fisco na reformulada e revigorada Lei de Recuperação Judicial e Falências.

Após 15 anos de vigência da Lei nº 11.101/05, o Congresso Nacional aprovou um importante pacote de medidas que, sancionado pelo presidente às vésperas do Natal de 2020, incorporou ao ordenamento a Lei nº 14.112.

Uma das mudanças mais polêmicas desse novo diploma legal diz respeito aos poderes do Fisco na reformulada e revigorada Lei de Recuperação Judicial e Falências.

Não são poucas as notícias veiculadas por jornais, revistas e sites alardeando a mudança de patamar do Fisco no processo falimentar, sugerindo que este teria sido alçado ao Olimpo jurídico e adquirido “superpoderes” dignos dos grandes deuses da Justiça [1] [2].

O que se propõe a analisar neste breve ensaio é se essas ilações têm fundamento e responder a uma pergunta simples e direta: o Fisco ganhou superpoderes com a edição da Lei nº 14.112/20?

Para que seja possível responder a essa questão é preciso relembrar o papel do Fisco no concurso de credores ao longo da nossa história republicana. Lembra-nos Trajano de Miranda Valverde [3] que, até o advento da Lei nº 2.024, de 17/12/1908, a falência só poderia ser decretada com fulcro em dívida mercantil.

Inobstante a prevalência desse mesmo entendimento de que a Fazenda Publica não poderia requerer a falência de contribuinte inadimplente na vigência do Decreto-Lei nº 7.661/1945, a matéria nunca foi pacífica nem mesmo no STJ [4], a quem compete por disposição constitucional uniformizar o entendimento acerca da aplicação da lei federal (cf. artigo 105, III, “a” e “c”).

Um outro registro importante diz respeito a evolução jurisprudencial que levou a vedação da pretensão do Fisco de convolação da recuperação judicial em falência em razão da ausência das certidões negativas fiscais a que se refere o artigo 57 da Lei 11.101/05.

Acórdão recente da 3ª Turma do STJ, da lavra da ministra Nancy Andrighi [5], joga luz e lança um novo entendimento sobre o tema, dispensando a exigência de apresentação de certidão negativa de tributos (e, logo, a possibilidade de convolação em falência por débitos tributários), entendendo que a falência não favorece a Fazenda Pública (que se encontra em terceiro lugar na ordem de classificação dos créditos) e que tal medida penaliza a devedora excessivamente; e, aplicando o princípio da proporcionalidade, afirmou que deve prevalecer o princípio da preservação da empresa (artigo 47) frente à exigência do artigo 57 da lei de quebras, o que seria mais consentâneo com o fim social da lei.

Essa decisão inovadora, ao abrir uma nova brecha na lei e trazer perspectiva mais favorável aos devedores, com potencial de sepultar de vez o artigo 57 da Lei nº 11.101/05 (e o artigo 191-A do Código Tributário nacional), foi objeto de forte reação pela União, que protocolou diversas reclamações junto ao STF, sendo que, à exceção da Reclamação nº 43169/SP, relator ministro Dias Toffoli (já rejeitada por tratar de matéria infra constitucional), nas demais não se observa qualquer discussão sobre a constitucionalidade do artigo 57 da Lei 11.101/05, mas somente afronta ao enunciado da Súmula Vinculante 10.

Sob outro aspecto, tem-se que a Lei nº 10.522/2002 — que dispõe sobre o cadastro informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências —, na esteira das alterações promovidas pela Lei de Recuperações Judiciais e Falências teve alterada a redação do artigo 10-A, que passou a prever um parcelamento dos débitos com a fazenda nacional, de natureza tributária ou não tributária, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa — em 120 meses.

O §4º-A prevê as consequências da exclusão do parcelamento, destacando-se entre elas a faculdade de a Fazenda Nacional requerer a convolação da recuperação judicial em falência.

De todas as inovações em matéria tributária, sem dúvida a mais polêmica é essa, e que confere inéditos poderes ao Fisco de pedir a quebra do contribuinte se este for excluído do parcelamento, medida claramente excessiva e desproporcional.

Isso porque são inúmeras as possibilidades de exclusão do parcelamento, o que fragiliza sobremaneira a posição do devedor em recuperação judicial, e abre caminho para, de forma inédita no nosso ordenamento, a quebra se dar com base não em um dívida mercantil, como sempre foi desde os tempos do Império, mas com lastro em débito tributário inadimplido.

Esse dispositivo é claramente inconstitucional, eis que viola o artigo 170 da Constituição Federal, que privilegia a valorização do trabalho (caput) e a busca do pleno emprego (inciso VIII), além de contrariar os princípios maiores da Lei 11.101/05, insculpidos no artigo 47.

Em um outro movimento de reforço à posição do Fisco, o legislador ordinário retirou do juízo do processo de recuperação a competência para liberar penhoras determinadas por outros juízos de execuções fiscais. Na nova sistemática introduzida na Lei 14.112/20, o juízo da recuperação judicial passou a ter competência somente para autorizar ao devedor a substituição de bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial penhorados na execução fiscal, por um outro que seja suficiente a garantir a ação (artigo 6º, §7º-B).

Conclusão

A reforma da Lei de Falências e Recuperação Judicial pela Lei nº 14.112/2020 trouxe inegáveis avanços e conquistas tanto para as empresas em recuperação judicial quanto para os credores, que viram implantadas novas regras tendentes a agilizar o encerramento do processo, atrair investimentos, coibir fraudes e evitar a utilização da recuperação judicial para deixar de pagar tributos.

Do conjunto de mudanças verifica-se que o Fisco foi nitidamente favorecido com um conjunto de regras que lhe permitem maior eficiência na cobrança de seus créditos e maior poder de pressão sobre as empresas em recuperação judicial, inclusive com a possibilidade de convolação da RJ em falência em caso de não pagamento do parcelamento tributário.

Todavia, esse poderes conferidos ao Fisco não são suficientes a elevá-lo ao patamar de um “supercredor”, considerando a jurisprudência majoritária do STJ que dispensa a apresentação das certidões negativas de tributos como condição para homologação do plano de recuperação judicial, o que assegura às empresas em recuperação judicial a opção de não parcelar os impostos em atraso para não correrem o risco de serem pressionadas com pedido de falência por parte do credor fazendário.

Da mesma forma, a norma que limita os poderes do juízo da recuperação judicial de afastar a penhora sobre bens essenciais da recuperanda ainda será objeto de uniformização pelo STJ, que já estava em vias de consolidar o entendimento em sede de julgamento de repetitivos (Tema 987), com nítida tendência pela preservação da empresa em detrimento do crédito tributário, mantendo o atual entendimento majoritário sobre a questão.

No entanto, o entendimento já firmado até agora pelo Superior Tribunal de Justiça em relação ao artigo 57 da LFRJ (exigência de certidões negativas de tributos), a posição do Supremo Tribunal Federal de que a matéria é de competência exclusiva do STJ e os diversos precedentes favoráveis aos devedores nessa corte que levaram à afetação do Tema 987 sinalizam que a Lei 14.112/20 não irá alterar o quadro atual, e o fisco não terá “superpoderes” para cobrança de seus créditos, prevalecendo, assim, o princípio da preservação da empresa sobre o crédito tributário.

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[1] Fisco ganha superpoder com entrada em vigor da nova Lei de Falências | Legislação | Valor Econômico (globo.com).

[2] Nova Lei de Falências amplia segurança jurídica, mas superpoder do Fisco gera tensão | Exame.

[3] Comentários à Lei de Falências: (Decreto-lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945) / Trajano de Miranda valverde – 4ª ed. rev. e atualizada / por J. A. Penalva Santos e Paulo Penalva Santos. – Rio de Janeiro: Forense, 1999, vol. 1, p. 43.

[4] Revista do STJ, 84/179.

[5] REsp 1864625/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2020, DJe 26/06/2020.

FONTE: Conjur – Por Murillo M. Lobo

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