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SERIA O FIM DO SIGILO DOS PROCEDIMENTOS ARBITRAIS?

24 de maio de 2021

Confere-se ao magistrado a discricionariedade de retirar o segredo de justiça do processo judicial

Ganhou notoriedade, no mês de março, a questão da publicidade do processo judicial que tem como objeto a sentença arbitral ou os respectivos desdobramentos do processo de arbitragem.

O tema repercutiu principalmente pela recente decisão de grande relevância aos operadores de direito, proferida pela 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, no processo nº 2263639-76.2020.8.26.0000, em que desembargadores decidiram pela impossibilidade da tramitação do feito em segredo de justiça ainda que ele tenha como objetivo discutir sentença proferida em procedimento arbitral que, por sua vez, é confidencial.

Confere-se ao magistrado a discricionariedade de retirar o segredo de justiça do processo judicial

Alguns aspectos têm maior relevo nessa controvérsia: o primeiro é sobre o acerto da não imposição do segredo de justiça nestes casos, e o segundo é a conclusão sobre a suposta inconstitucionalidade do dispositivo do Código de Processo Civil que orienta, de forma literal – sem margem à interpretação -, a aplicação do sigilo (art. 189, IV, CPC).

Antes de abordar essas polêmicas convém explicar ao leitor o que é cada coisa, de maneira sucinta.

Não é novidade que o processo judicial é um método por meio do qual se resolve alguma insatisfação ou conflito e, normalmente, o conteúdo do desenrolar deste caminho pode ser acessado por qualquer pessoa pelo caráter público dos atos.

A publicidade, porém, não é geral e pode ser mitigada em casos em que o sigilo se impõe para manter a intimidade e a privacidade das partes e de determinadas informações sensíveis, tal como ocorre com o processo de divórcio e de alimentos, por exemplo.

Por outro lado, o processo judicial não é o único caminho para se obter a solução dos conflitos cotidianos. Há de se rememorar que se pode optar pelos meios alternativos de resolução da controvérsia e outros tantos aptos, igualmente, a resultar nessa resolução.

Optando-se pela arbitragem como alternativa à justiça estatal, as partes podem escolher as regras da disputa e pactuar sobre a confidencialidade dela, que pode se estender ao processo judicial caso a situação evolua para o questionamento do próprio procedimento.

E aqui está a primeira polêmica: estaria o juiz vinculado a esse ajuste? A resposta à indagação nos parece negativa, apesar de a pactuação anterior de sigilo, confere-se ao magistrado a discricionariedade de retirar o segredo de justiça do processo judicial. É que a extensão desta confidencialidade na ação judicial depende, além da comprovação da estipulação pelas partes, da demonstração de necessidade de se assegurar a intimidade e privacidade das partes, e da sensibilidade dos documentos e informações presentes na demanda.

Para que se infira esta conclusão é preciso relembrar que a origem do princípio da publicidade, segundo o professor Vicente Greco Filho, vem da reação liberal contra os “julgamentos secretos”, que tem como objetivo precípuo impedir a arbitrariedade judicial por meio de fiscalização da opinião pública a atuação judicial.

A publicidade assegura à sociedade não só enxergar os parâmetros da atuação jurisdicional, mas também ser conhecedora das informações sobre formação de precedentes e a tendência sobre a aplicação da justiça.

Tanto uma quanto outra aprimoram o senso de justiça porque conferem ao litigante habitual ou eventual o controle da paridade de decisões sobre casos análogos, garantindo decisões equivalentes e não conflitantes sobre determinado tema, independentemente de quem ocupa a posição de litigante.

Ultrapassada esta questão deontológica e revolvendo a ótica à decisão judicial mencionada anteriormente, passa-se à segunda polêmica: haveria a necessidade de o julgador adentrar a esfera da inconstitucionalidade do dispositivo processual para que, então, concluísse pela impossibilidade de atribuição do sigilo ao feito?

Ora, não é tarefa fácil obter a convicção alheia de que se está diante de uma inconstitucionalidade, principalmente porque o dispositivo estampado no art. 93, IX, da Constituição Federal, prestigia a publicidade e, da mesma forma, a sua restrição quando conveniente. A decisão estaria bem fundamentada se o julgador estabelecesse que, dentro do seu campo de convencimento, as informações guarnecidas no processo não merecerem a proteção do manto do sigilo porquanto a qualidade que desfrutam não se mostram sensíveis ou íntimas.

Daí porque dizer que, neste contexto, o convencimento do magistrado no exame do pedido de tramitação do processo em segredo de justiça, nos casos que discutam procedimento arbitral, depende da análise isolada caso a caso, mediante a comprovação da existência de pacto de sigilo firmado em momento anterior à instauração da controvérsia judicial acrescida da necessidade de proteger a intimidade das partes ou das informações contidas nos documentos.

O objetivo proposto é a análise caso a caso para conferir o sigilo ao processo judicial, levando em conta principalmente o conteúdo da disputa arbitral prévia ao litígio, os documentos envolvidos e a confidencialidade combinada. Isso implica em não se aplicar, de forma automática, a publicidade em todos os processos decorrentes de conflitos da arbitragem.

Fica aqui a reflexão de que o movimento liberal acerca dos “julgamentos secretos” pode ecoar no direito processual contemporâneo, possibilitando novos contornos sobre o sigilo de demanda à luz do fato de que a publicidade traz mais transparência e lisura, porquanto será de conhecimento público o entendimento externado pelos julgadores, sejam eles magistrados ou árbitros.

Guilherme Vinicius Justino Rodrigues e Luma Zaffarani são advogados pós-graduados em Direito Processual Civil pela PUC-SP

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor EconômicoPor Guilherme Rodrigues e Luma Zaffaran

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