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SUPREMO CRIA PRECEDENTE EM FAVOR DE SAÚDE

13 de maio de 2021

A consequência mais direta da modulação de efeitos será o decréscimo no preço dos medicamentos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu um dos mais relevantes julgamentos sobre propriedade industrial de sua história, declarando inconstitucional a extensão de prazo de patentes, prevista no parágrafo único do artigo 40 da Lei 9.279/96. O julgamento, por 9 votos a 2, considerou a extensão do prazo uma medida abusiva ao ampliar, desproporcionalmente, o privilégio de exploração monopolística dada aos detentores de patentes, em detrimento do interesse público, do desenvolvimento tecnológico e social.

Em vigor desde 1996, essa norma inconstitucional retardou, por muitos anos, a entrada de competidores em diversos setores tecnológicos, restringindo, também, o acesso da população a diferentes tecnologias. Finalmente, este ano, foi declarada inconstitucional, mas os efeitos da decisão foram restringidos.

A modulação de efeitos das decisões em ações de controle de constitucionalidade cria uma exceção à regra lógica e legal ao permitir que uma lei declarada inconstitucional siga surtindo efeitos concretos. Afinal, para o direito, uma norma feita em desacordo com a Constituição nunca foi válida. Daí vem os efeitos retroativos (ex tunc): a decisão declara uma inconstitucionalidade que sempre existiu; a norma sempre foi nula e não deveria nunca ter surtido efeitos.

Por isso, uma alteração desta regra legal e lógica, alterando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, só pode ser adotada diante de excepcional interesse social ou razões de segurança jurídica e com um quórum qualificado que exige voto de dois terços dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal.

Após declarar a extensão do prazo de patentes inconstitucional, o Supremo Tribunal Federal promoveu a modulação dos efeitos da decisão no tempo, criando regras distintas para alguns campos tecnológicos.

Guiados pelo voto do ministro relator, Dias Toffoli, oito ministros convergiram para restringir os efeitos retroativos da decisão apenas para o setor de saúde: patentes de processos e produtos farmacêuticos, materiais e equipamentos de saúde que estejam em vigência com prazo estendido (ou seja, em exploração monopolística para além dos 20 ou 15 anos permitidos em lei) entram imediatamente em domínio público.

Porém, foi feita uma ressalva na modulação da decisão quanto ao campo de saúde: os “efeitos concretos” que a aplicação da norma inconstitucional surtiu ao longo do tempo não serão afetados. Na prática, isso impede a reparação de danos causados, premiando aqueles que subtraíram conhecimento do domínio público e alijaram competidores.

Outros campos tecnológicos, como agronegócio e informática, manterão as patentes com extensão de prazo que já estejam usufruindo, mesmo inconstitucionais, por razões de segurança jurídica.

Daqui para frente, ficará vedado ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) a concessão de novas extensões de prazos, para quaisquer que sejam os campos tecnológicos.

Por um lado, a decisão do Supremo Tribunal Federal corrige uma grave distorção na forma pela qual a lei, sobrepondo privilégios ao interesse público, violava a Constituição.

Para o campo da saúde, o benefício será imediato. Como a extensão do período de patentes de produtos e processos farmacêuticos, equipamentos e materiais de saúde deve ser imediatamente revogada, será permitida desde já, por exemplo, a aquisição de medicamentos genéricos, ou mesmo a produção local, referentes a substâncias antes reservadas à exploração monopolística.

A consequência mais direta será, sem dúvidas, o decréscimo no preço dos medicamentos. A relação entre patentes, exploração monopolística, preço e acesso a medicamentos já está bem definida e foi bastante explorada pelo tribunal neste julgamento, sobretudo no contexto da pandemia de covid-19 e necessidade de mais recursos para a saúde. Movimentos e organizações de pessoas vivendo com HIV/Aids tiveram um papel fundamental na sensibilização dos ministros do Supremo neste sentido, expondo preços de medicamentos e as barreiras concretas ao seu acesso a partir do abuso de prazo de patentes.

Por outro, porém, a modulação enfraqueceu a força da decisão ao restringir seus efeitos. A manutenção da extensão de patentes para outros campos – reconhecida e declarada inconstitucional – para além dos já amplos 15 ou 20 anos já previstos em lei, desafia a excepcionalidade das modulações e do interesse público que deveria atender. Essa foi, inclusive, a crítica de parte dos ministros, vencedores no mérito e vencidos na modulação: não haveria razão jurídica a manter tal extensão de prazo e os afetados não seriam surpreendidos pela decisão, dado o vasto tempo de exploração já garantido.

A extensão das patentes é apenas um dos dispositivos “TRIPs plus” de nossa legislação de propriedade industrial, ou seja, mais restritivos ao domínio público do que a norma internacional – o Acordo TRIPs – “Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights” – exige. Parte deles está, também, questionada no Supremo Tribunal Federal, como o que previu a incorporação de patentes de revalidação ou patentes pipeline. Para este e outros debates, já haverá precedente: medidas desproporcionais em favor do privilégio de exploração monopolística e em detrimento do acesso à saúde são inconstitucionais.

FONTE: Valor Econômico – Por Eloísa Machado de Almeida — São Paulo

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