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DIREITO CONTÁBIL COMO ELEMENTO DE PROVA NO CRIME TRIBUTÁRIO

12 de maio de 2021

No crime relacionado ao ICMS declarado, mas não recolhido, o direito contábil contribui para a verificação do dolo de apropriação

Já escrevi algumas vezes que a existência da pessoa jurídica depende do balanço patrimonial (portanto, do direito contábil). Isso porque a pessoa jurídica tem como principal reflexo a segregação entre o patrimônio dos sócios e o patrimônio da sociedade: o conhecido princípio da autonomia patrimonial. Para que haja essa segregação patrimonial, é preciso que o patrimônio da pessoa jurídica seja devidamente comprovado, o que é feito pelo balanço patrimonial.

Em decorrência dessa estreita relação entre pessoa jurídica e balanço patrimonial, temos que qualquer envolvimento financeiro da pessoa jurídica será escriturado no balanço patrimonial.  Vale dizer: as origens dos recursos (de onde vêm os recursos financeiros, materiais e humanos) devem ser escrituradas no passivo; e as aplicações desses recursos (para onde foram ou de que forma foram utilizados) devem ser escrituradas no ativo. A movimentação desses recursos impactará o desempenho da pessoa jurídica, isto é, o seu resultado (lucro ou prejuízo).

Sendo assim, os registros contábeis são importante instrumento de prova em inúmeras

relações jurídicas, inclusive de natureza penal.

No caso do ICMS declarado, mas não recolhido, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu duas condições para a caracterização de crime: contumácia e dolo de apropriação. Ambas podem ser verificadas na movimentação do balanço patrimonial da pessoa jurídica.

Quando há a declaração do ICMS devido, em razão das operações comerciais, a informação consta tanto nos controles fiscais (EFD ICMS) quanto nos controles contábeis (balanço patrimonial e ECD). O ICMS devido é escriturado como passivo (dívida fiscal) da pessoa jurídica e o aumento reiterado no saldo dessa conta contábil pode apontar para a contumácia: se a dívida só aumenta é porque não está havendo pagamento.

Ocorre que o registro do passivo tem como contrapartida (método das partidas dobradas) em conta de “despesa” (na verdade, como redução da receita bruta). Com isso, o reconhecimento do ICMS declarado, mas não recolhido, reduz o lucro da pessoa jurídica. Reduz, portanto, a remuneração dos seus sócios. No entanto, apesar da redução do lucro, o não recolhimento do ICMS declarado libera caixa (sobra de recursos financeiros). A destinação desse caixa é que poderá determinar se houve ou não o dolo de apropriação.

A mencionada destinação do caixa também é comprovada pelos registros contábeis. Por exemplo: haverá dolo de apropriação se ficar provado que os recursos em caixa serviram para distribuir dividendos com base no lucro da pessoa jurídica, mesmo quando reconhecida a “despesa” do ICMS a pagar (passivo). Da mesma forma, haverá dolo de apropriação se a sobra de caixa for, comprovadamente, utilizada para evitar a tomada de empréstimo para financiar suas atividades, o que também tem impacto no resultado (lucro), haja vista que não há despesa de juros. Terceira forma seria ainda a utilização – da mesma forma, comprovada – de utilização da sobra de caixa para pagar seus fornecedores à vista, proporcionando a concessão de desconto (preço mais barato). Nestes dois últimos casos, poderia haver a concorrência desleal, mencionada pelo ministro Barroso em seu voto condutor no STF.

De outra parte, não seria caracterizado o dolo específico de apropriação se restar comprovada que a utilização da sobra de caixa decorreu da inexigibilidade de conduta adversa. Isso se verificará quando o valor do ICMS declarado, mas não recolhido for utilizado para pagamento de salários ou de fornecedores no curso normal das atividades, isto é, sem qualquer benefício, como a concessão de desconto no preço, por exemplo. No balanço patrimonial, essas situações ficaram demonstradas se houver falta de liquidez (o ativo circulante menor do que o passivo circulante) ou mesmo de solvência (o ativo total menos do que o passivo total). É comum que a iliquidez e a insolvência conduzam à situação de ecuperação extrajudicial ou judicial ou de falência.

Fonte: Valor Econômico – Por Edilson Fernandes

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