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O PRESENTE E O FUTURO DA TRIBUTAÇÃO DOS JUROS DE MORA NO STF

15 de abril de 2021

O Tema 808 (IRPF) como prelúdio do Tema 962 (IRPJ e CSLL).

Em outra oportunidade[1], dissemos que “nada suger[ia] que o encontro marcado do Supremo Tribunal Federal (STF) com a tributação dos juros de mora será apenas ‘mais do mesmo’”, prognóstico que se confirmou com a recente conclusão do julgamento do RE 855.091/RS, leading case do Tema 808 da Repercussão Geral, no qual foi revertida a linha até então prevalente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a fixação da seguinte tese:

“Não incide imposto de renda sobre juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função”.

E tudo leva a crer que a solução do Tema 962[2], em que se coloca problema próximo e mais delimitado, qual seja, a incidência de IRPJ e CSLL sobre os juros de mora de indébito fiscal, nomeadamente quando determinados pela taxa Selic, não se desviará dessa diretriz firmemente estabelecida, contra um único voto divergente.

Foi assim quando o STJ se debruçou sobre a mesma discussão (Tema 505), assentada em que, praticamente, limitou-se a aplicar tese então já fixada relativa o IRPF (REsp 1.089.720/RS).

Foi também o que se verificou no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), cuja iniciativa de priorizar a dimensão constitucional dos temas levou o STF a “avocá-los”: a Arguição de Inconstitucionalidade 5025380-97.2014.4.04.0000, cujo objeto específico coincide com o Tema 962, ficou sobrestada durante mais de um ano à vista da afetação do Tema 808, e, quando seu julgamento foi retomado, o voto condutor incorporou copiosamente as razões de decidir da Arguição de Inconstitucionalidade 5020732-11.2013.4.04.0000, cujo foco era o IRPF.

Já no âmbito do próprio STF, os pareceres da PGR a propósito de ambos os leading cases foram convergentes, tendo o relativo ao Tema 962 emulado abertamente “lógica em tudo equivale[nte] àquela apresentada no parecer oferecido no tema 808”.

Naturalmente, essa trajetória não vincula o STF, que, na teoria, bem poderia identificar razões fortes o suficiente para justificar o distinguish entre os 2 (dois) temas.

Mas, de novo, nada indica que o fará, sendo significativo que, já na afetação do Tema 962, o relator, ministro Dias Toffoli, chegou a flertar com “o sobrestamento do presente recurso extraordinário até o julgamento do paradigma [do Tema 808], em razão de pontos convergentes entre as teses suscitadas lá e aqui”, preferindo, no entanto, dar um passo de cada vez, provavelmente mirando-se no exemplo do TRF da 4ª Região, de onde procediam ambos os casos.

Ademais, no julgamento do Tema 808, o ministro Gilmar Mendes, vencido na ocasião, propôs o “diálogo” com o equivalente do Tema 962 no STJ (Tema 505), denominador comum confirmado pelo grande empenho da Fazenda Nacional, em suas razões no próprio leading case ainda não apreciado, em tipificar os juros de mora como “lucros cessantes”, mesma premissa também do Tema 505 do STJ, a qual foi desconstruída em termos irrespondíveis pelo voto condutor do ministro Dias Toffoli – em notável sintonia, no particular, com um dos pontos mais significativos da ADI 2.332/DF, em que até mesmo os juros compensatórios devidos no contexto de desapropriação foram desclassificados como lucros cessantes tout court.

Ora, parece que os próprios princípios lógicos da não-contradição e do terceiro excluído (tertium non datur) se encarregariam de pré-eliminar a possibilidade de tal qualificação já enfaticamente refugada ser emplacada apenas para os juros de indébito fiscal, não tendo o STJ ou a PFN, justiça se lhes faça, sugerido alguma particularidade ontológica dessa verba indenizatória no campo tributário, sendo sintomático que, antes do advento do CTN, a vetusta Lei 4.414/64 limitava-se a prescrever que as Fazendas Públicas “responderão na forma do direito civil” pelos juros de mora.

Não se desconhece que, em seu alentado voto, o ministro Dias Toffoli permitiu-se explorar a (plausível) associação entre o atraso no pagamento de verbas remuneratórias e o endividamento do credor, com sua consequente sujeição a toda sorte de encargos.

Mas tudo indica que tal argumento foi apenas circunstancial, sem influência decisiva para a ratio decidendi, tanto que não se cogitou de um tratamento diferenciado para altos executivos ou determinadas carreiras do funcionalismo público, segmentos para os quais aquelas intempéries seriam bem menos verossímeis.

Nunca é demais ter presente a célebre advertência de Richard A. Posner, exponente da magistratura norte-americana, segundo a qual “distiguishing frente um caso precedente é uma ferramenta pragmática útil quando não é simplesmente um eufemismo para overruling”, artifício empregado quando se “redu[z] um precedente à morte decidindo o novo caso no sentido oposto, quando a única diferença entre os dois casos (…) é algo irrelevante para a holding do primeiro caso”[3], e, em matéria tributária, “simpatia” e “antipatia” constituem sabidamente fatores neutros para fins de validação de cobrança ou exoneração, parafraseando, aqui, proposição de outro grande magistrado, o saudoso ministro Teori Zavascki (REsp 963.387/RS).

A bem da verdade, quando se ilumina as nuances do Tema 962 a não-incidência parece se impor até com mais força e intensidade do que no tocante ao Tema 808.

A primeira digna de nota é a notória natureza híbrida da taxa Selic (correção monetária + juros), particularidade que levou a PGR a fazer um ligeiro adendo à linha que propusera para o Tema 808, aduzindo que aquele índice “vai além do mero ressarcimento do dano emergente para cobrir também os lucros cessantes, cuja natureza indenizatória não se questiona nem impede a incidência da exação”.

Bem compreendida, a proposição assume tratar-se de um contrapeso à tributação, mas conclui pela admissão desta, passo demasiado largo após o “recuo”. Com efeito, ele encontra resposta sob medida no voto condutor do Tema 808, que descartou alternativa equivalente sob o irrespondível argumento de que a “exação acabaria incidindo não apenas sobre lucros cessantes, mas também sobre danos emergentes, parcela que não se adéqua à materialidade do tributo”.

A outra é a “captura” pelo próprio causador do dano, pelo menos quando este provier da Fazenda Nacional, de parcela considerável (34%) da indenização a que se prestam os juros de mora, transformando a tributação indevida numa fonte de investimento tão anômala quanto atrativa, uma vez que o custo líquido do “empréstimo compulsório” seria 66% da remuneração paga pelo Tesouro aos mais conservadores investidores voluntários (Selic).

Mais do que repugnar ao senso jurídico comum, esse estado de coisas se afinaria à própria antítese do espírito do Tema 368, em cuja equação teve grande peso a preocupação com a possível conversão da tributação mais elevada (no caso, através da sujeição dos rendimentos recebidos acumuladamente ao regime de caixa) num incentivo ao ilícito engendrado pela própria União, só debelado após a vitória do contribuinte na ação judicial que se viu obrigado a ajuizar.

São inegáveis os méritos do minimalismo, que parece bem prestigiado pelo desmembramento da controvérsia da tributação dos juros de mora em 2 (dois) temas.

Mas a ninguém ocorreria usá-lo como recurso retórico para anular um corolário da variável-chave de um precedente. A adequada compreensão da ratio decidendi do Tema 808 e o cada vez mais firme compromisso do STF com coerência sugerem fortemente que o Tema 962 representará um passo à frente, não uma “meia-volta”…

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[1] Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/ainda-a-nao-incidencia-de-imposto-de-renda-sobre-juros-de-mora-08072019>.

[2] O autor representa entidade admitida como amicus curiae no leading case do tema (RE 1.063.187/SC).

[3] How Judges Think. Cambridge: Harvard University Press, 2010, p. 184.

 

FONTE: JOTA – Por Leonardo E Silva De Almendra Freitas

 

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