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DESTITUIÇÃO DE ADMINISTRADOR DE COMPANHIA ABERTA

25 de março de 2021

No caso de empresa aberta de economia mista, prática constitui violação da Lei das Empresas Estatais        

As leis de sociedades por ações de inúmeros países em todos os continentes preveem a destituição de membro do conselho de administração, a qualquer tempo, por manifestação unilateral e discricionária de vontade do controlador na assembleia geral de acionistas, segundo pesquisa disponível no site diapiperintelligence.com, sob o título “Removal of directors or officers around the world”.

E mais: sem pré-aviso, sem ouvi-lo, sem explicação, sem justificativa, sem justa causa, sem direito ao contraditório, sem direito de defesa, sem direito à indenização e insuscetível de judicialização, por se tratar de um “direito potestativo” (para alguns, “direito absoluto”) do controlador, salvo se houver prova de vício formal, inobstante possa a destituição vir a constituir-se em flagrante abuso de direito, na modalidade de desvio de finalidade, e venha a causar irreparáveis danos morais e patrimoniais ao defenestrado.

A destituição de administrador de empresa aberta de economia mista constitui violação da Lei das Empresas Estatais

Georges Ripert e René Roblot (Traité, L.G.D.J, 10ª ed., tome I, p. 783) afirmam que “la règre est mauvaise” (“a regra é má” em tradução literal), isto é, “apresenta uma imperfeição essencial” (em tradução técnica, consoante Le Petit Robert – Dictionnaire de la Langue Française, p. 1.591), resquício da concepção contratual da sociedade anônima, que considera o administrador um “mandatário revogável”.

Na Europa, alguns países, após severa revisão crítica da matéria, mudaram de orientação, como na Alemanha, a AktG, no parágrafo 84 (3), só permite a destituição por “justa causa”, ou melhor, “justa causa relevante”, e, ademais, estabelece que ela deve ser fundamentada em causas objetivas, tais como, v.g., violação grave dos deveres a que o administrador está adstrito, incapacidade para cumprir suas funções e perda da confiança da assembleia geral. Se não restar provada justa causa pela companhia, a destituição será declarada ineficaz e o administrador reassumirá o seu cargo.

Na França, a norma do artigo L. 225-18 do Código de Comercio é de ordem pública e a demissão ou revogação (“démission ou révocation”) ad nutum, direito absoluto dos acionistas. Todavia, a jurisprudência tem decidido ser devida indenização se ficar provado que a revogação foi precipitada ou com circunstâncias injuriosas ou vexatórias, que prejudiquem a reputação do dirigente (CA Paris, 30/06/2016, in Rev. Soc. 2016, p. 743).

Na sociedade com diretoria e conselho de vigilância, impera o direito à indenização na falta de justo motivo (Código de Comércio, art. L. 225-61), sobrelevando notar que Corte de Cassação reputa abusiva a destituição sem que se confira ao administrador o direito ao contraditório e à ampla defesa (Cass. Com., 14/05/2013, nº 11-22-845, préc. nº 11, entre outros).

Em Portugal, vigora a livre revogabilidade (Código das Sociedades Comerciais, artigo 403º/15), mas, se não caracterizada justa causa, definida no CSC, artigo 403º/4, o administrador tem direito à reparação civil (CSC, artigo 403º/5); em se tratando de membro do conselho fiscal (CSC, artigo 419º/1) ou da comissão de auditoria (CSC, artigo 423º E/1), só é possível a destituição por justa causa.

Entre nós, o artigo 140, caput, da Lei das Sociedades Anônimas (LSA) é taxativo: o membro do conselho de administração é eleito pela assembleia geral de acionistas e por ela destituível a qualquer tempo.

À vista do artigo 14 da Lei das Empresas Estatais (LEE), cabe a indagação: o administrador de companhia aberta de economia mista pode ser destituído por manter-se fiel ao princípio da independência funcional no exercício de suas funções, atribuições e poderes?

Primeiro, frise-se, a destituição ad nutum é anacrônica, obsoleta, retrógrada, herança do Código Comercial francês de 1807, artigo 31º, assaz espancada pela doutrina. É um cutelo, mantido pelo controlador, sobre a “cabeça” do administrador, para constranger, intimidar e tolher o exercício independente de seu cargo. É uma inequívoca demonstração de que, apesar da propalada “democratização das sociedades anônimas”, o controlador pode atuar como “patrão absoluto” (Pailusseau), que não deve e não “presta contas a ninguém” (Champaud) – citados por Modesto Carvalhosa, Saraiva, Com., 4ª ed., 2º vol., p. 489.

Segundo, destaque-se, ciente e consciente do insaciável “apetite” do Executivo de interferir nas empresas públicas, o legislador da LEE, por meio da norma do inciso II do artigo 14, criou o dever de o acionista controlador “preservar a independência do conselho de administração no exercício de suas funções”.

A resposta: a destituição de administrador de companhia aberta de economia mista, exclusivamente por ele manter-se fiel ao princípio da independência funcional e por negar-se a obedecer às ordens do controlador, constitui violação da LEE por desvio de poder ou finalidade, desvio que se caracteriza, consoante ensina Fábio Konder Comparato, o, “pela elusão de disposições imperativas, pela sua observância meramente aparente, frustrando-se a finalidade da norma” (O poder de controle na SA, Forense, 4ª ed., p. 382, nº 118), isto é, não conseguindo “vergá-lo”, demite-o, na assembleia geral, em estrita observância da forma, porém, com clara ofensa ao espírito da lei.

Jorge Lobo é mestre em direito empresarial pela UFRJ, doutor e livre-docente em direito comercial pela UERJ, procurador de Justiça (aposentado) do MP-RJ e advogado

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor Econômico – Por Jorge Lobo

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