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DO LIMÃO À LIMONADA NO SETOR DE INFRAESTRUTURA

23 de março de 2021

Viabilizar mecanismos que propiciem uma gestão ativa e eficiente em situações críticas, como foi o caso da pandemia, é chave para manter a eficiência do projeto.

Que a pandemia foi um grande limão a azedar o ano de 2020 ninguém discute. Mas, diante desse cenário de incontáveis tristezas, quais as lições que pudemos aprender no setor de construção e infraestrutura? De pronto, há cinco mudanças que já foram ou, se não o foram, inevitavelmente precisarão ser implementadas.

A primeira delas está na elaboração de modelos realistas de alocação de riscos. Era prática comum que a gestão de riscos se realizasse com o dispêndio de esforços de uma parte para transferir contratualmente à outra os riscos da obra. Essa tendência, porém, trata da questão de maneira simplista e ilusória. Por mais que possam criar a aparência de uma blindagem jurídica contra a ocorrência de determinados riscos, a pandemia nos ensinou que essas alocações desequilibradas tornam-se pouco factíveis quando eventos incontroversamente imprevisíveis e incontroláveis ocorrem.

Ou seja, produzem o efeito prático oposto ao desejado, com uma regulação descolada da realidade e incapaz cumprir a função para a qual foi concebida. Mais do que isso: ao não contribuírem para a resolução dos problemas gerados, estimulam um “jogo de empurra” de responsabilidade entre as partes que, em última instância, pode catalisar o surgimento de uma disputa.

A segunda mudança consiste na adoção de perspectiva mais colaborativa entre as partes. O setor da construção e infraestrutura, no Brasil, sempre se pautou pela visão adversarial de que as partes possuem interesses contrapostos e incompatíveis. Dito de outro modo, as relações seriam uma espécie de “cabo de guerra”, em que cada metro de corda ganho por uma parte significaria um metro de corda perdido para a outra. Ou, no jargão do setor, é a tradicional imagem de que, ao construtor, caberia apresentar o máximo de pleitos possível e, ao dono da obra, negá-los o máximo possível.

Apesar de essa crença estar bastante arraigada, fato é que as relações não precisam ser estruturadas com essa abordagem antagônica. Muito já se tem escrito sobre a necessidade de mudar o paradigma do “jogo de soma zero” para uma estrutura de “ganha-ganha”. A abordagem colaborativa exprime seus maiores benefícios justamente em momentos de crise, como o causado pela pandemia: em vez de se concentrar na busca de um culpado, as partes focam em resolver o problema conjuntamente. Ganha o projeto e ganham as partes.

A terceira mudança se verifica no maior cuidado com cláusulas que lidam com cenários de incerteza. Cláusulas de caso fortuito e força maior, cláusulas de alteração superveniente de legislação, cláusulas de “hardship” ou onerosidade excessiva superveniente foram por muito tempo negligenciadas, vistas como “penduricalhos” meramente jurídicos. A pandemia nos ensinou a importância central dessas cláusulas em relações duradouras, que estão sujeitas às inevitáveis surpresas que o tempo nos traz e que, por isso, requerem normas que estabeleçam um programa para o futuro.

É preciso entender que o contrato, muito mais do que um conjunto de regras que governam situações antevistas por advogados, é uma ferramenta de gestão da relação das partes para aquilo que não pode ser previsto no momento da negociação. Essas cláusulas programáticas são verdadeiramente essenciais e permitem que um contrato celebrado no passado tenha a maleabilidade para permanecer atual e útil no futuro. São cláusulas que, espera-se, passarão a receber maior atenção e cuidado em sua elaboração.

A quarta mudança está na criação de comitês de gestão de crise. Seguindo a diretriz de implementar uma abordagem mais realista e de focar em eficiência na resolução de problemas, tornou-se clara a necessidade de os projetos preverem a criação de comitês de gestão que, reunindo representantes dos stakeholders envolvidos no projeto, tenham autonomia envolvidos no projeto, tenham autonomia para a tomada rápida e conjunta de decisões em momentos de crise.

Viabilizar mecanismos que propiciem uma gestão ativa e eficiente em situações críticas, como foi o caso da pandemia, é chave para manter a eficiência do projeto e focar na solução do problema. Do contrário, o apego ao formalismo e a perspectivas unilaterais pode colocar em xeque esse foco, criando espaço para falhas de comunicação, ineficiência e conflitos.

Por fim, a quinta mudança recai sobre o design de mecanismos adequados de solução de conflitos. São, por definição, as cláusulas contratuais mais negligenciadas, que chegaram mesmo a receber a alcunha de “midnight clauses” em razão do momento tardio em que as partes se lembram da necessidade de sua inclusão. No entanto, essas cláusulas são críticas para o sucesso (ou insucesso) da relação, não apenas por definirem as regras aplicáveis quando houver um eventual conflito, mas, também, por serem peça-chave na sua prevenção, resguardando tanto o interesse do projeto quanto a boa relação das partes. A pandemia nos ensinou que a criatividade e a customização da cláusula de solução de conflitos, prevendo mecanismos como os dispute boards, pode resultar em ganhos inestimáveis para o projeto em momentos de crise.

As perdas e os pesares que a pandemia nos trouxe são inestimáveis, mas analisar os seus impactos e evoluir a partir deles é, muito mais do que um aprendizado, uma verdadeira questão de sobrevivência. Façamos do nosso limão, uma limonada.

FONTE: Valor Econômico – Por Ricardo Medina e Adriana Sarra

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