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VETOS À LEI DE PAGAMENTO DE SERVIÇOS AMBIENTAIS

12 de março de 2021

Acima de qualquer interesse em arrecadar, está o interesse preservacionista, que justifica os incentivos.

Promulgada em 13 de janeiro após mais de 10 anos de tramitação na Câmara dos Deputados, a Lei nº 14.119, de 2020, que regulamenta o pagamento de serviços ambientais (PSA), teve alguns artigos vetados pelo Executivo. Os argumentos que sustentam tais vetos, no entanto, são improcedentes.

Os artigos 17 e 18 buscam incentivar o instituto ao determinar que os valores recebidos como PSA não integram a base de cálculo do IR, da CSLL, do PIS e da Cofins. O Executivo alegou que o incentivo incorre em vício de inconstitucionalidade por violação ao princípio da tributação segundo a capacidade contributiva.

Acima de qualquer interesse em arrecadar, está o interesse preservacionista, que justifica os incentivos.

Se essa justificativa fosse válida, todos os incentivos fiscais teriam o mesmo vício. A indústria automobilística, por exemplo, recebe incentivos fiscais há anos sem que esse argumento tenha sido suscitado.

O princípio da capacidade contributiva deve ser diretriz para ponderar a carga tributária em função da quantidade de riqueza de cada contribuinte. No entanto, o PIS e a Cofins têm uma única alíquota genérica para grande parte das atividades tributadas – isso sim uma violação ao princípio da capacidade contributiva. Se a tese do veto fosse correta, então o PIS e a Cofins seriam inconstitucionais.

Além disso, basta analisar a legislação para verificar centenas de regimes de isenção ou redução tributária, sem que o Executivo os tenha desqualificado por violação da capacidade contributiva.

Outra justificativa foi que os incentivos contrariam o “interesse público”, pois representariam renúncia de receita. Para sustentar esse argumento, seria necessário apresentar números, não basta alegar. Qual a arrecadação perdida? Qual seria a renúncia de receita? Em que lei orçamentária está prevista qualquer arrecadação sobre PSA?

Em verdade, não há renúncia de receita porque, como esse instituto não estava regulado, não há, no momento, receitas de PSA tributáveis. Portanto, não há renúncia de receita ou algum impacto financeiro-orçamentário. Nem é correto dizer que qualquer arrecadação de tributos sobre PSA estaria incluída em leis orçamentárias. O que se vê é que estamos a tratar de argumento meramente retórico.

A realidade é exatamente o oposto. É possível demonstrar que a não tributação da contraprestação de PSA estimularia novas riquezas que, a seu turno, gerariam aumento da arrecadação. Aquele que recebe a contraprestação (provedor de PSA) terá que preservar ou recuperar o ecossistema. Boa parte da contraprestação será investida em atividades de manejo ou restauração, sendo transferida para terceiros e gerando novas riquezas tributáveis. É razoável supor também que parte do lucro do provedor será usada para sua subsistência ou novos investimentos, o que resultaria em compra de produtos e serviços tributáveis.

Portanto, a alegação de renúncia de receita é improcedente, já que qualquer riqueza não tributada em um elo da cadeia acaba tributada nos elos correlatos.

Em outra toada, a Presidência da República vetou o artigo 19, que faculta aos poderes executivos estabelecer outros incentivos, como (i) incentivos tributários destinados a promover mudanças nos padrões de produção e de gestão dos recursos naturais; (ii) outros incentivos tributários para pessoas físicas e jurídicas que financiarem o Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais (PFPSA); (iii) créditos com juros diferenciados destinados à produção de mudas de espécies nativas, à recuperação de áreas degradadas e à restauração de

ecossistemas; e (iv) incentivo a compras de produtos sustentáveis associados a ações de conservação e prestação de serviços ambientais.

No veto, alegou que a norma incorre em vício de inconstitucionalidade, pois viola o artigo 153, parágrafo 1º, da Constituição Federal. Porém, o artigo não é inconstitucional, apenas deve ser interpretado conforme a Constituição. Os Executivos poderão dar outros incentivos, com base em leis reguladoras locais.

Ademais, trata-se de uma faculdade. Portanto, se não houver arcabouço legal completo para exercê-la, que não exerçam a faculdade. O que não se admite é uma alegação de inconstitucionalidade pelo fato de ser uma norma genérica (programática). O veto busca, em verdade, desestimular a concessão dos incentivos e cercear a liberdade dos Estados e municípios.

Por fim, há a alegação de contrariedade ao interesse público. Aqui há uma grande confusão entre interesse público e interesse do ente público.

É óbvio que, em questões tributárias, o interesse do ente público é arrecadar cada vez mais. Grande parte dos entes federados convive, há décadas, com déficits orçamentários que, como regra, são combatidos com maior arrecadação. Mas arrecadar, cada vez mais, é o interesse público?

Interesse público é o interesse da sociedade, não dos governantes. É a tentativa de extrair, por meios diretos (plebiscito, referendo ou projetos de iniciativa popular) ou indiretos (poder legislativo e consultas públicas) o que deseja a sociedade. E, assim, quem mais se aproxima de reproduzir o interesse da sociedade é o Congresso, por sua composição plural.

Portanto, se o legislador propõe que os projetos de PSA sejam incentivados, esse deveria ser assumido como o interesse público.

Não pode haver dúvidas de que a sustentabilidade e a recuperação e manutenção de ecossistemas são temas prioritários da sociedade brasileira. Portanto, acima de qualquer interesse em arrecadar, está o interesse preservacionista, que justifica os incentivos. Esse é o interesse público prevalente nessa situação, o que, por si, já desqualifica todos os vetos.

FONTE: Valor Econômico – Por Tácito Matos

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