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TJ-SP DEFINE SAÍDA DE SÓCIO DA BANCA CESCON BARRIEU

9 de março de 2021

Escritórios de advocacia não têm natureza empresarial, segundo os desembargadores.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu, pela primeira vez, sobre os critérios contábeis que devem utilizados na dissolução de escritórios de advocacia. Os desembargadores entenderam que as bancas não têm natureza empresarial e podem de forma mais simples, com base no balanço patrimonial, calcular o valor a pagar na saída de um sócio.

A decisão foi dada em uma das brigas societárias mais comentadas da advocacia: entre o Cescon Barrieu e o advogado Luis Antonio Semeghini Souza, um dos fundadores da banca. O rompimento ocorreu no ano 2017. O advogado afirma, no processo, que a ruptura aconteceu por ter se posicionado contra a possibilidade de a advogada Esther Flesch, irmã de um outro sócio, fazer parte da sociedade.

Esther estava se desligando do Trench Rossi Watanabe, outro grande escritório do país. Ela era a sócia responsável pela área de compliance da banca. A sua saída ocorreu depois de ter contratado o ex-procurador da República Marcello Miller para atuar na defesa da J&F, a controladora da JBS. Miller atuou na Operação Lava-Jato e foi acusado pelo Ministério Público,

junto com Esther, por crime de corrupção passiva. O Cescon Barrieu nega a versão do ex-sócio. Sustenta, no processo, que a sociedade se tornou insustentável em razão da diminuição da contribuição profissional e pessoal do advogado.

Em abril de 2018 foi formalizada a dissolução da sociedade. O advogado e os seus antigos sócios não chegaram a um acordo sobre os valores que deveriam ser pagos e o conflito foi levado ao Judiciário.

O escritório entrou com um pedido de apuração de haveres. Diz, na petição, que o ex-sócio tinha exigido R$ 12 milhões, considerando serviços prestados e resultados futuros, o que classificou como “oportunista”.

Para o Cescon Barrieu, deveria valer o que consta no contrato social: em caso de exclusão ou morte, o valor das cotas patrimoniais seria apurado e pago em até 12 parcelas. A participação de Souza era de 21,78% – estimada em R$ 2,7 milhões.

Souza, por sua vez, defendeu que o cálculo deveria ser feito com base nos critérios utilizados na dissolução de empresas, que incluem estimativas de ganhos futuros e valores de bens intangíveis (marca e clientela, por exemplo).

A natureza do Cescon Barrieu, diz no processo, é empresarial: são mais de 400 funcionários, há escritórios em cinco capitais, tem financiamento pelo BNDES, cartão de crédito corporativo e a receita, nos últimos três anos, superou R$ 233 milhões.

Esse foi o centro da discussão no TJ-SP: escritórios de advocacia têm ou não natureza empresarial? Os três desembargadores que participaram do julgamento decidiram, de forma unânime, que não. O relator do caso, desembargador Fortes Barbosa, afirma, em seu voto, que as bancas exploram atividade intelectual típica de sociedades simples.

“O patrimônio intelectual daqueles que compõe o quadro social ostenta relevância muito superior aos investimentos materiais”, diz. Por maior que seja o volume de serviços prestados, acrescenta, “não há o exercício de uma atividade empresarial”.

Os valores que deverão ser pagos ao ex-sócio, portanto, têm de ser apurados com base em balanço patrimonial da data em que houve a dissolução formal da sociedade – sem os ganhos futuros.

O desembargador Cesar Ciampolini, que participou do julgamento, chama a atenção, em seu voto, no entanto, que os honorários referentes aos serviços contratados até a data da dissolução devem fazer parte desse cálculo. Valores que ainda não haviam ingressado nos cofres do escritório – por serviços já concluídos ou ainda em andamento.

Esse trecho é importante porque o advogado pode ter participado de um processo que levará anos – décadas talvez – para ter a conclusão no Judiciário. O caso em questão, além disso, pode ser de um cliente que ele tenha levado para a banca.

Ciampolini destaca, contudo, que as despesas do escritório terão de ser descontadas das parcelas devidas ao ex-sócio. Esses valores serão definidos por meio de perícia na fase de liquidação do processo.

O desembargador citou o Código Civil ao concordar com o relator sobre a natureza das sociedades de advogados. Consta no parágrafo único do artigo 966 que “não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística”.

O desembargador Manoel Pereira Calças, que também participou da sessão, complementa com o Estatuto dos Advogados (Lei nº 8.906, de 1994). No artigo 15 consta que não podem ser admitidos na Ordem dos Advogados do Brasil os registros de escritórios que apresentem forma ou características de empresa.

“Não podem adotar nome fantasia nem realizar atividades estranhas à advocacia”, diz. Ele acrescenta que escritório “não tem freguês, mas sim, clientela”.

Tanto Luis Souza como o Cescon Barrieu ainda podem apresentar embargos contra a decisão da 1ª Câmara (processo nº 1050857-97.2018.8.26.0100).

O advogado Rafael França, que representa o Cescon Barrieu nesse caso, diz que o mercado estava preocupado e aguardava por essa decisão. Permitir que o cálculo incluísse a rentabilidade futura do escritório, afirma, levaria a uma situação de “profundo desequilíbrio”.

“Se prevalecesse, seria o caos. O sócio que sai não pode ter direito a nada que diga respeito aos serviços futuros, trabalhos que continuam e para os quais ele não contribuiu mais”, enfatiza.

Já Luis Antonio Semeghini Souza afirma ainda estar avaliando a extensão da decisão do TJ-SP. E fez menção ao posicionamento do desembargador Azuma Nishi, que também integra a 1ª Câmara de Direito Empresarial, mas não estava entre os três julgadores do caso.

Nishi, apesar de não contabilizar voto, manifestou-se ao fim do julgamento e divergiu. “Lavou a alma. Mostra efetivamente o que seria uma decisão de acordo com a atualidade. Seria uma decisão justa para assegurar que não haja ganho de alguns sócios remanescentes sobre o retirante.”

FONTE: Valor Econômico – Por Joice Bacelo — Do Rio

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