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TAXAÇÃO DE GRANDES FORTUNAS NO CENÁRIO ATUAL

19 de junho de 2020

O IGF incidirá sobre os patrimônios individuais que correspondem às fortunas dos 0,09% mais ricos do Brasil

Na Inglaterra, em 1696, a riqueza de alguém podia ser medida pela quantidade de janelas de sua casa. Os mais ricos ostentavam casas visivelmente maiores. Desse modo, o coletor de impostos também levava em consideração a quantidade de janelas no exercício da cobrança de tributos.

No Brasil do século XXI, a janela do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) está aberta, visto que há quatro projetos tramitando no Senado, com base no artigo 153, inciso VII, da Constituição de 1988, que estabelece a “competência da União para instituir imposto sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar”.

O IGF incidirá sobre os patrimônios individuais que correspondem às fortunas dos 0,09% mais ricos do Brasil

O objetivo, ao se instituir o IGF, seria arcar com as despesas obrigatórias da União, que atualmente comprometem mais de 90% da arrecadação tributária federal. O que impossibilita o custeio de gastos extraordinários. A justificativa para a criação do imposto ampara-se na necessidade de gerar recursos para o enfrentamento das consequências socioeconômicas decorrentes da pandemia de Covid-19.

O Projeto de Lei Complementar mais recente é o PLP 50/2020, está no Plenário do Senado no momento. Além da criação do imposto temporário com o mesmo prazo de vigência da Emenda Constitucional (EC) 95/2016 do teto de gastos, o projeto, ainda, sugere o empréstimo compulsório, com a mesma base de arrecadação do imposto, aplicado às grandes fortunas, como uma alternativa para criar efeitos imediatos, mas de acordo com a Constituição, um imposto novo só pode ter validade a partir do ano seguinte à sua criação.

Há outro projeto, também de 2020, sobre o tema, o PLP 38/2020, que propõe a vigência imediata do imposto – mas isso não é possível, como já vimos, segundo a Constituição. Institui o imposto para ser cobrando apenas durante o período de calamidade pública no país. Seriam tributados aqueles cujo patrimônio líquido excede o montante de 50 mil salários mínimos, à alíquota de meio ponto percentual ao ano. Está no Plenário do Senado Federal.

No ano passado, foi criado o PLP 183/19, cujo fato gerador consiste na titularidade de patrimônio líquido de valor superior a 12 mil vezes o limite mensal de isenção do Imposto de Renda de pessoa física e cuja alíquota varia de 0,5% a 1%, de acordo com o valor do patrimônio. O projeto está em tramitação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

O primeiro PLS criado foi o 315/2015, prevê que incide cobrança sobre o patrimônio de pessoa física ou de espólio de valor superior a R$ 50 milhões, situado no Brasil ou fora dele. Também está na (CAE).

As propriedades são uma das formas mais concretas de riqueza, por exemplo, obras de arte, joias, iates, jatinhos etc. O IGF teria um grande apelo social, principalmente para os menos favorecidos, pois poderia ser a maior fonte de meios de financiamento de programas e ações do governo nas áreas de saúde e educação.

Na Europa, alguns países adotaram o IGF. A França, por exemplo, batizou o imposto sobre grandes fortunas como “imposto da solidariedade”. Na América Latina, a Argentina, Colômbia e Uruguai, também instituíram o tributo.

Embora previsto na CRFB de 1988, há mais de 30 anos, o IGF jamais foi instituído. A primeira tentativa data de 1989, através do Projeto de Lei Complementar 202/1989, proposto pelo então senador Fernando Henrique Cardoso, de acordo com o site da Câmara dos Deputados. Estado Democrático brasileiro, através da Constituição propõe-se a assegurar o exercício dos direitos sociais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos. Assim sendo, a pretensão fundamental constitucional é a construção de uma sociedade justa e solidária, conforme estabelece a CRFB, em seu artigo 3°, inciso I, orientando as ações dos poderes da União.

A problemática na instituição do IGF é sua viabilidade, uma vez que deve ser observado o prazo de 90 dias, princípio da noventena, previsto no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da CRFB, introduzido pela Emenda Constitucional EC 42/03, para que os governos federal, estaduais e municipais cobrem um imposto novo ou aumentem os impostos já existentes.

O princípio da noventena reforça as garantias do cidadão contra as surpresas da legislação, protegendo o planejamento tributário coincidente com o ano fiscal. Com essa regra, os contribuintes tenderiam em transferir suas fortunas para outros domicílios fiscais mais atrativos.

Por oportuno, a instituição do IGF, como meio de proporcionar distribuição de riqueza e justiça tributária, encontra respaldo constitucional no comando legal e na consignação de princípios tributários, como a Capacidade Contributiva, insculpida no artigo 145, § 1º, determinando que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Assim para que o tributo seja justo, não pode contrariar os princípios tributários.

Ressalta-se, que o IGF incidirá sobre os patrimônios individuais que correspondem às fortunas dos 0,09% mais ricos do Brasil. Esses patrimônios representam uma base tributável de R$ 1,4 trilhão, podendo gerar a arrecadação de R$ 40 bilhões ao ano.

Portanto, a tributação sobre grandes fortunas aumentaria a participação social dos detentores das maiores riquezas, visto que a desigualdade de patrimônio é muito maior que a desigualdade por renda, e que, sem dúvida, a instituição do IGF auxiliaria expressivamente no custeio dos serviços públicos e na garantia de direitos fundamentais, como educação e saúde.

Marcio Martello Panno é advogado, mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento, mediador judicial e professor da Universidade Estácio de Sá.

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor Econômico – Por Marcio Martello Panno

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