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CRIPTOMOEDAS E RECEITA FEDERAL: OS DESAFIOS DA FISCALIZAÇÃO

26 de março de 2019

No fim do ano passado, a Secretaria da Receita Federal do Brasil abriu consulta pública à instrução normativa que pretende impor o dever de prestar informações das operações realizadas com criptoativos, tanto por parte das corretoras de moedas virtuais situadas no Brasil quanto das pessoas físicas que com elas negociam no exterior, sempre que o valor mensal ultrapasse R$ 10 mil.

O objetivo geral é assegurar o correto recolhimento do tributos sobre as operações. O prazo para as contribuições se encerrou no fim de novembro e, até o momento, nenhuma norma foi publicada.

Medida semelhante está sendo discutida na Espanha: também no fim de 2018, o governo espanhol encaminhou projeto de lei que prevê o dever de os investidores reportarem às autoridades fiscais operações com criptomoedas, em âmbito nacional ou internacional. Na Austrália, de outro lado, as corretoras de moedas virtuais estão sujeitas à regulação e deveres próprios das normas contra a lavagem de capitais e terrorismo e o cumprimento de tais normas pode envolver informações sobre os clientes das corretoras.

A OCDE, Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, antes mesmo desses movimentos, em março de 2018, sinalizou quanto à necessidade de examinar as consequências tributárias das criptomoedas, por representarem um risco potencial à transparência fiscal e financeira obtida ao longo dos últimos dez anos. A preocupação da OCDE é pertinente: por definição, a Blockchain é uma rede descentralizada que, a despeito de ser pública, garante a privacidade de seus operadores.

Ora, considerando que as regras de controle e troca de informações com vistas à fiscalização tributária foram construídas à luz do sistema financeiro, cuja característica é exatamente a centralização, como assegurar o correto recolhimentode tributos e, ainda, o acesso aos dados financeiros das operações realizadas com moedas virtuais? É esse desafio, parece-me, que as autoridades tributárias de todo o mundo deverão enfrentar.

É evidente, porém, que a definição quanto ao tributo devido sobre a operação é relevante. Ela traz segurança jurídica e previsibilidade. Contudo, o maior desafio é garantir a eficácia das normas eventualmente criadas para tributar as transações com criptomoedas. O tema se relaciona com os limites dos poderes fiscalizatórios e sua relação com os princípios da intimidade e privacidade.

Nesse sentido, o debate sobre o acesso às informações financeiras do contribuinte diretamente pela autoridade tributária, sem necessidade de intermediação do Poder Judiciário, tal qual previsto na LC 105/2001, pode ser útil para iluminar uma possível resposta. Do ponto de vista da isonomia, não é razoável que a Receita Federal possa obter informações diretamente dos bancos sobre a movimentação financeira dos correntistas, mas seja impedida de fazê-lo em relação às exchanges de criptomoedas.

Portanto, seguindo-se a máxima estabelecida pela OCDE em 2009, quanto ao fim da “era do sigilo bancário”, devemos começar a debater sobre as formas de assegurar a transparência dessas operações, que ocorrem à parte do mercado financeiro tradicional, como forma de assegurar que todos paguem seu “fair share”.

FONTE: Valor Econômico – Por Tathiane Piscitelli

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